sábado, 28 de junho de 2014

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

MORDIDAS CASTIGADAS

RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL

Escultural morena calipígia, dona de lindo sorriso, Angelita não ficaria nada a dever a sua quase homônima Angelina Jolie, não fossem as montanhas de dólares que as separariam. A Angelita a que me refiro, quando a conheci, frequentava o baixo meretrício da Rua das Palmeiras, na Chã de Bebedouro. Sua freguesia não chegava para quem queria.
Nem sempre ali estivera. Dizia-se que trabalhara como empregada doméstica no próprio bairro. Seu último emprego nessa função foi na residência de um solteirão que pousara no arrabalde alguns anos antes. Era um uruguaio funcionário de um conglomerado bancário inglês. Quando se entrosava mais com as pessoas, queria ser chamado de Vlado, um diminutivo de Vladimir Salvatori.
Vlado tinha hábitos, digamos, heterodoxos, para os costumes da época, sobretudo para um bairro conservador como Bebedouro. Frequentava ambientes mais populares e apreciava levar rapazes para conhecer as dependências de sua casa. Às vezes, eles gostavam tanto que passavam a noite papeando com o uruguaio. Havia comentários sobre os gostos refinados do anfitrião. Suas paredes abrigavam réplicas de telas renascentistas em que o nu masculino era ressaltado.
O uruguaio era comunista de carteirinha. Nunca acreditou que Stalin tivesse mandado exterminar 20 milhões de pessoas. Achava que, no máximo, estourando, seriam 18 milhões. Creditava o exagero aos fascistas, aos americanos, aos pseudodemocratas...
Vlado, que mordia fronha mas sentia vagas atrações pelo sexo oposto, passaria a assediar Angelita. Foi desastroso. Ficaria conhecido como “lápis de cor”, mortal referência aos diminutos equipamentos masculinos. Outro detalhe irisava seu desempenho: morder as companheiras durante o intercurso.
As marcas das mordidas desagradaram ao pai da jovem, um pescador pouco afeito a quadros renascentistas. O uruguaio quis se meter a besta e levou algumas facadas. Mal restabeleceu-se dos ferimentos, escafedeu-se no oco do mundo.
“Desonrada”, Angelita seria expulsa de casa. Na Rua das Palmeiras, onde nos encontrávamos no início do relato, ao lado do sucesso, começaram a surgir descrições de marcas de mordidas na freguesia. A garota captara o hábito do uruguaio. O grande problema foi quando apareceu um piedoso seminarista em férias com perda quase completa de um dos componentes da trilogia masculina. A moça exagerou.

Presa, sua condenação foi cruel. Desde que passou a exibir uma horrenda chapa substituindo sua bela dentadura, arrancada à força e quase no cru, o baixo meretrício de Bebedouro nunca mais foi o mesmo.

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