ALEGRIA,
AMOR E LIBERTAÇÃO NO NINHO DO PINTO
Valentina acordou-se com premonição de
um dia feliz, abriu a janela no quinto andar, uma luminosa manhã invadiu o
quarto, mar e céu azul cortados no infinito por uma tênue linha do horizonte.
Naquele sábado ela completava 44 anos, foi ao banheiro, escovou os dentes,
tomou uma ducha demorada, lavou até a alma, ao se enxugar olhou-se no espelho,
mulher madura com todos os apetrechos no lugar, duros, bem conservada. Separada
há mais de cinco anos, não teve um namorado sequer desde a separação, gostava
da vida apesar dos desencontros e desamores. Vestiu um short jean esfarrapado,
blusa branca, tênis, chapéu Panamá de abas curtas, colar de havaiana, estava
pronta para a folia. Foi à cozinha, as duas filhas moças logo perguntaram
-
Para onde vai minha mãe? Onde é o carnaval?
-
Em Marechal, desfile do Bloco Ninho do Pinto, hoje sou eu quem entra na brincadeira
fiquem comportadas, Mariana vem me apanhar, vamos nos divertir, começando em
barco de um amigo na Massagueira.
Mariana estacionou o carro à beira da
esplêndida lagoa naquela manhã azul, os barcos se movimentavam, os foliões
embarcando. O desfile teve início, cortejo de embarcações pela Lagoa Manguaba
saindo do povoado da Massagueira várias escunas levavam o Pinto, o Ninho,
orquestra de frevo, passistas, foliões e convidados. Escoltadas por jetskys,
canoas e lanchas, a comitiva navegou durante mais de uma hora, devagar, pela
exuberante lagoa aproximando-se da cidade de Marechal. No barco Valentina encontrou
um amigo de juventude, gentil, serviu-lhe bebida, conversou, brincou com as
duas amigas, entretanto seus olhares eram para Valentina. A banda tocava frevo
e marchinhas antigas, todos cantavam, brincavam, bebiam, paqueravam.
Houve
o esperado, apoteótico desembarque no Caís da Lancha, Centro Histórico de
Marechal Deodoro. A massa animada de foliões aguardava na orla lagunar. O
Prefeito abriu oficialmente o carnaval, entregou a chave da cidade ao Rei Momo,
homenageou o imortal carnavalesco Edécio Lopes. Deu-se o desfile com uma
multidão atrás das orquestras de frevo, estandartes, passistas, bonecos
gigantes, fantasias coloridas, três bandas tradicionais da cidade, o povo
dançando pelas ruas estreitas, bucólicas, enladeiradas, casas barrocas,
igrejas. Em seus mais de 400 anos a cidade reverenciava a alegria, o carnaval,
a cultura popular, a maior manifestação espontânea do povo.
Na subida de uma ladeira Valentina abraçou a
cintura de Leopoldo, estava feliz, alegre, não só pelo carnaval, pela música,
pela cerveja, principalmente porque, afinal, depois de cinco anos estava com
coragem de se libertar. Desde que o marido lhe abandonou por uma sirigaita ela
no íntimo esperava por sua volta. Nesses anos frequentou algumas festas,
gostosa, recebeu muitas cantadas, entretanto, recusava, tinha esperança da
volta do marido. Suas filhas davam maior incentivo para que arranjasse um
namorado, esquecesse o pai delas, vivesse a vida que é uma só. Valentina ouvia
todas as amigas, contudo, não tinha coragem de se libertar, de assumir ser uma
mulher separada com direito a uma nova chance com outra pessoa.
Subiu a ladeira cantando, dançando, olhos
nos olhos de Leopoldo, pensando, é hoje, vai acontecer. O carnaval, a música
revolucionou o estado letárgico de sua sensualidade, Valentina queria, mesmo
que fosse uma aventura.
Eram oito da manhã quando tocou seu
celular, na cama da pousada ela atendeu as filhas, queriam saber como tinha
sido a noite de amor, Valentina sussurrando pediu respeito, depois contava
detalhes. Levantou-se, olhou com carinho Leopoldo dormindo, abriu a janela do
quarto, ao contemplar o azul turquesa do mar e a areia branca da praia do
Francês encheu-se de felicidade, começava uma nova vida, a libertação havia
rasgado os laços com o passado.