JOCÃO
Em Maceió havia mentiroso, aliás, o
maior mentiroso do mundo, Jocão. Nos anos 50/60 era assíduo frequentador do Café
Colombo na Rua do Comércio, ponto de convergência de intelectuais, políticos,
artistas, boêmios e outros desocupados. Jocão
ao entrar se achegava às melhores rodas. Todos gostavam de suas divertidas
histórias. Escolhia uma mesa onde não houvesse possibilidades de pagar a conta,
arrastava uma cadeira, sentava, entrava na conversa. Logo perguntavam pelas
novidades. Era a senha, Jocão, com sua fértil imaginação, primoroso contador de
histórias, iniciava uma fantástica trama inventada na hora.
Certa tarde ele contou como se tornou o maior criador de codorna do
Brasil. De sua fazenda no Carrapato exportava codorna e ovo para todo mundo.
Tudo começou numa visita a Pedrinho, coletor estadual de Fernão Velho. Na
despedida, Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num papel de jornal para
Jocão cozinhá-los em casa. Ele colocou o embrulho no bolso do paletó.
Já havia passado mais de um mês quando Jocão ouviu piados no quarto.
Investigou de onde vinham aqueles pios parecidos com os de pombos. Ao abrir o guarda-roupa
desvendou-se o mistério: no bolso do paletó estavam oito bugrelos de codorna
nascidos dos ovos, presente de Pedrinho esquecidos no paletó.
Ele retirou os bugrelos, deu de comer pirão de farinha de mandioca. Os
bichinhos foram crescendo. Reproduziram-se com rapidez, ele teve de colocá-los
em sua fazenda no Carrapato. Já era considerado o maior produtor de codorna do
país, talvez do mundo. Tudo por mera sorte.
Depois de contar a mentira, sentia-se à vontade entre os amigos, pedia
mais cerveja e tira-gosto. Pagava a conta com suas fantasiosas histórias.
No tempo da II Guerra Mundial, muitas vezes Maceió entrou em
“black-out”. Todas as casas, todas as ruas apagavam as luzes. Carros e ônibus
não circulavam. A cidade totalmente às escuras se precavendo de um ataque aéreo
ou de submarinos alemães. Havia uma rigorosa fiscalização pela defesa civil
procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.
No
final da tarde posterior a um desses rigorosos “black-out” Jocão apareceu nas
escadarias da Associação Comercial, onde se juntavam os grandes comerciantes e
homens do mundo dos negócios.
Assim que viram Jocão foram perguntando pela novidade. Ele não se fez de
rogado e iniciou sua história.
“- Eu quase não dormi nessa noite de
black-out, os aviões da fiscalização sobrevoaram o tempo todo minha casa.
Parecia que havia alguma coisa errada. Um avião passou tão baixo que meu
vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião. Ouvi no rádio que havia um
foco intenso de luz na rua onde moro, pedia à população procurar a luminosidade
senão os submarinos bombardeavam Maceió. De repente minha casa foi invadida por
soldados do 20º BC. Tinham identificado o “holofote” na janela de minha casa.
Tudo foi esclarecido, a forte luminosidade era o anel de brilhante de minha
esposa que refletia a luz da Lua. A luz foi identificada por um oficial em
posição na cabeça do cais do porto, depois que os aviões deram o alarme.
Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã.”.
Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa vez no Café
Colombo pediram para contar uma mentira. Ele ficou triste, calado e muito
sentido. Logo esclareceu, sua mulher havia falecido. Estava por ali para espairecer
um pouco e ver se arranjava algum dinheiro, ajuda para o enterro.
Os
boêmios solidários fizeram uma arrecadação, deram a quantia para Jocão, que
além de embolsar o dinheiro, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de
presunto, deixou na conta dos amigos e foi chorar a defunta.
Um
bêbado e um garçom foram designados para comparecerem ao enterro da mulher do
Jocão no dia seguinte às 10 horas, representando os frequentadores do Café
Colombo.
Ao
chegarem perto da casa de Jocão na Rua Santa Maria (hoje Guedes Gondim)
estranharam a falta de movimento e não ter cortinas negras nas janelas, como
era costume nos enterros saídos das casas do morto.
De
repente Jocão abriu a porta. Os representantes do Café Colombo perguntaram a
hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de
casa: “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.
Complementou para os dois companheiros: “Vocês não pediram para eu
contar uma mentira?”.
Sua
mulher apareceu dando uma bela gargalhada. Convidou os amigos para uma
irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se
divertia com as invencionices de seu marido, Jocão, o maior mentiroso do mundo,
nasceu e viveu na cidade de Maceió. Até hoje contam suas fanfarrices e mentiras
bem humoradas.