PULANDO A CERCA
- “Estou danada de vontade de dar, de pular a cerca, de trair o Zé, tenho uma dor no peito, depressão, raiva, pelo desprezo que tenho a meu marido. Dá vontade de sair com um cara, transar muito, sou a mulher mais carente e idiota do mundo, Doutor.”
- “Olhe Dona Margarida, entendo sua vontade, mas esse negócio de trair, na maioria das vezes retorna em arrependimento, piora a depressão. Faça as coisas que o coração manda, entretanto, deve-se ter calma.” Disse o Doutor Ferreira, psicólogo de Margarida há alguns anos.
- “O senhor me condena, se eu pular a cerca?”
- “Não é minha função julgar, nem condenar alguém, meu ofício é orientar, apenas isso. Sei que é uma situação passageira, por isso aconselho pensar, o travesseiro noturno ou uma volta na orla contemplando o mar, refletindo, acalma o coração, faz bem a depressão.”
- “Doutor, o problema maior é o meu desprezo pelo Zé, nunca pensei, ele é um cara fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de cinco meses, vive dentro de casa, esperando que as coisas caiam do céu, todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego. Eu sustento a casa, comida, aluguel, e o colégio do Jairzinho, tudo com meu trabalho de cabeleireira, não tenho descanso aos domingo para sustentar a casa e o Zé nem aí. Só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza, minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, faz cabelo e unhas toda semana, olha demais para mim, conversa, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que ele foi ao salão, lendo uma reportagem sobre a Déborah Secco, Surfistinha, disse que viu o filme, gostou da beleza e da nudeza da artista. Eu sorri para ele perguntando se gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, me respondeu, gosto e é bom. Apesar dele ter chegado aos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.”
- “Dona Margarida, acabou sua hora, veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Zé, diga tudo que pensa, que ele arranje um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma. Olha! Vou viajar, só retorno no outro mês.”
Margarida foi para casa, tirou o fim-de-semana para se resolver. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado. Pensou bastante nas palavras do Dr. Ferreira, consultou ao coração e à mente, pensou no Zé, no Jairzinho, no sessentão cheiroso. Era noite quando tomou a decisão, primeiro, uma conversa franca com o marido.
- “Que ares de felicidades são esses?” Perguntou, um mês e meio depois, o doutor à Margarida. “Vejo que resolveu seus problemas, gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, a depressão.”
- “Doutor, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Zé, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos, outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas se arrumaram, estamos vivendo melhor, ele agora tem um trabalho, ajuda no sustento da casa, sua auto-estima melhorou, até na cama.”
- “Ainda bem que a senhora apagou a ideia de pular a cerca com o coroa elegante”. Disse o doutor Ferreira sorrindo para sua cliente.
- “O doutor elegante chama-se Paulo, com ele arranjei uma vaga de almoxarife para o Zé, o coroa tem construtora. É um homem generoso. Aqui para nós, apesar da idade, ainda é bom de cama.”