MORDIDAS CASTIGADAS
RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL
Escultural morena calipígia, dona
de lindo sorriso, Angelita não ficaria nada a dever a sua quase homônima
Angelina Jolie, não fossem as montanhas de dólares que as separariam. A
Angelita a que me refiro, quando a conheci, frequentava o baixo meretrício da
Rua das Palmeiras, na Chã de Bebedouro. Sua freguesia não chegava para quem
queria.
Nem sempre ali estivera. Dizia-se
que trabalhara como empregada doméstica no próprio bairro. Seu último emprego
nessa função foi na residência de um solteirão que pousara no arrabalde alguns
anos antes. Era um uruguaio funcionário de um conglomerado bancário inglês.
Quando se entrosava mais com as pessoas, queria ser chamado de Vlado, um
diminutivo de Vladimir Salvatori.
Vlado tinha hábitos, digamos,
heterodoxos, para os costumes da época, sobretudo para um bairro conservador
como Bebedouro. Frequentava ambientes mais populares e apreciava levar rapazes
para conhecer as dependências de sua casa. Às vezes, eles gostavam tanto que
passavam a noite papeando com o uruguaio. Havia comentários sobre os gostos
refinados do anfitrião. Suas paredes abrigavam réplicas de telas renascentistas
em que o nu masculino era ressaltado.
O uruguaio era comunista de
carteirinha. Nunca acreditou que Stalin tivesse mandado exterminar 20 milhões
de pessoas. Achava que, no máximo, estourando, seriam 18 milhões. Creditava o
exagero aos fascistas, aos americanos, aos pseudodemocratas...
Vlado, que mordia fronha mas
sentia vagas atrações pelo sexo oposto, passaria a assediar Angelita. Foi
desastroso. Ficaria conhecido como “lápis de cor”, mortal referência aos
diminutos equipamentos masculinos. Outro detalhe irisava seu desempenho: morder
as companheiras durante o intercurso.
As marcas das mordidas desagradaram
ao pai da jovem, um pescador pouco afeito a quadros renascentistas. O uruguaio
quis se meter a besta e levou algumas facadas. Mal restabeleceu-se dos
ferimentos, escafedeu-se no oco do mundo.
“Desonrada”, Angelita seria
expulsa de casa. Na Rua das Palmeiras, onde nos encontrávamos no início do
relato, ao lado do sucesso, começaram a surgir descrições de marcas de mordidas
na freguesia. A garota captara o hábito do uruguaio. O grande problema foi
quando apareceu um piedoso seminarista em férias com perda quase completa de um
dos componentes da trilogia masculina. A moça exagerou.
Presa, sua condenação foi cruel.
Desde que passou a exibir uma horrenda chapa substituindo sua bela dentadura,
arrancada à força e quase no cru, o baixo meretrício de Bebedouro nunca mais
foi o mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário