JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO
O FALSO MISTÉRIO DO DR. UIP
Em 1981, François Mitterrand teve um câncer. Ao tratá-lo, o dr. Claude Gubler percebeu, no presidente da França, os primeiros sinais da esclerose. E decidiu contar isso num livro, Le Grand Secret (O Grande Segredo). A justiça proibiu sua publicação. Porque, no país, dados médicos são protegidos por 170 anos a contar da morte do paciente. Mas ele acabou na internet, em um cybercafé de Besançon. Por conta e risco de seu proprietário, Pascal Bar Baud. Logo, milhões de exemplares foram baixados. E em 2004, a Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a França. Sob o fundamento de excessos ocorridos na obstrução da Liberdade de Expressão. Numa entrevista, sobre as razões de violar a Lei do Sigilo, o dr. Gubler sustentou que “o segredo médico tem limites”. Variando conforme a relevância pública do paciente. E completou com uma pergunta: “Até onde tem um presidente a capacidade de decidir sozinho?”. Já com sintomas iniciais de esclerose, entendeu seu médico que os franceses tinham direito de saber disso. Para, se fosse o caso, questionar as decisões que porventura tomasse.
Esse caso veio à lembrança, na semana passada, quando o cardiologista Roberto Kalil Filho e o infectologista David Uip tiveram coronavirus. Estão bem. Mas reagiram diferente, com relação aos tratamentos. Kalil assumiu que tomou cloroquina. Contra conselho de seu médico particular. Enquanto Uip preferiu ficar em silêncio. Mesmo após a exposição de receita em que se via também ter tomado. Para resguardar sua privacidade, assim disse. Sem se dar conta de que, sendo Coordenador do Centro de Contingência do Cononavirus, é responsável pelos doentes de São Paulo. E todos infectados de lá tem direito de saber como ele se medica. Para conferir se estão sendo tratados da mesma maneira. Como no episódio francês, temos só mais um abuso no Direito à Privacidade.
Ou, então, não quis foi desagradar o governador João Dória. Que sonha, obsessivamente, em ser o próximo presidente. Sem querer que se use uma cloroquina recomendada por aquele a quem antes servia, e hoje é seu inimigo mortal, Bolsonaro. Se o chefe não quer, dr. Uip obedece. Fareis tudo que seu mestre mandar?, dizia uma brincadeira de nossa infância distante. Ele fez. Tudo cercado por um grande mistério. Como dizia Federico Garcia Lorca (Sobre o Teatro), “todas as coisas têm seus mistérios”. Pois é…
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