OITENTA (3)
No
primeiro dia distribuíram, para cada aluno, um enorme saco com fardamentos,
equipamentos, manuais. Levei o saco nas costas e arrumei no armário, forrei a cama,
coloquei minha primeira farda de brim verde: calça, camisa de mangas compridas,
por cima de uma cueca samba canção, cinturão, um gorro na cabeça, por fim
calcei um coturno preto de laços entrelaçados. Logo o sargento gritava: “Primeiro
ano em forma!” Pela primeira vez entramos em forma. Passamos o dia recebendo
instruções de como seria a vida na Escola. Dia seguinte entramos na rotina:
alvorada às 5:30 da manhã. Vestido de calção de educação física, camiseta e tênis
a turma foi levada para o campo de futebol onde os tenentes ministraram vários
tipos de ginásticas planejadas. Retornamos para o banho. No alojamento vestimos
o roupão com o sabonete na mão, corremos para o banheiro coletivo. Logo,
fardados, nos levaram para o café da manhã. Satisfeito com a gororoba,
marchando, cada turma dirigia-se para as salas de aulas. No primeiro ano só
matérias básicas: aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, português,
inglês. Ensino puxadíssimo com excelentes professores. Às tardes nos
ministravam Instrução Militar.
Foi difícil a adaptação daquele menino da
praia de uma infância extraordinária, livre, leve e solta na Avenida da Paz em
Maceió. Várias vezes senti vontade de pedir desligamento da Escola, mas ao
mesmo tempo a vontade de vencer aqueles obstáculos me dava força.
Certa tarde de sábado fiquei indignado com um trote de um veterano, mandou
que eu arrumasse seu armário, engraxasse coturnos, etc. Perdi meu sábado. Delatar
jamais. Então eu decidi pedir desligamento e voltar para minha Maceió. Porém,
houve uma santa coincidência, na segunda-feira recebi uma carta de mau pai que
decidiu minha vida para sempre.
Carlito,
Meu
afetuoso abraço. Recebemos a tua carta que nos encheu de alegria ao sabermos da
tua satisfação aí na Escola, mas também de saudade do filho querido, que tanta
falta tem feito.
Porém, Carlito velho, a vida é assim mesmo; é luta brava, principalmente
na carreira que escolhestes.
Temos absoluta certeza, e inabalável fé em
Deus, que serás muito feliz.
Não
fraquejes ante nenhum obstáculo; enfrenta-o sempre de ânimo forte. Acostuma-te
desde agora aos rígidos princípios da disciplina; aceita-a conscientemente,
pois ela é a mais bela característica do soldado.
Estuda, dedica-te com muito esmero às tuas obrigações escolares; este
hábito salutar será constante na tua vida profissional e fator decisivo na
carreira.
O
valor de um oficial está em função da sua cultura, do seu saber, do seu carinho
aos afazeres profissionais.
Procura, desde já, meu filho, ser “Caxias”. Mas “Caxias” sem
intransigência. Correto no cumprimento dos deveres, porém humano, delicado,
sereno e leal no tratamento com seus subordinados e companheiros. O oficial que
assim procede é respeitado, acatado e querido por todos.
Pensa sempre no bem do Brasil; sirva mesmo de rumo aos teus atos e ações
o pensamento constante na grandeza da Pátria querida.
Porém, jamais te cumplicies aos aventureiros da política malsã, que
infelizmente ainda infesta o Brasil. Seja sempre digno, mantenha sempre bem
alto o alvo de tuas ambições e afetos; porém também sempre te lembres que são
injustificáveis as “quarteladas” e a “ditadura”.
São
estes, meu filho, os conselhos gerais, que a experiência de mais de trinta anos
de serviços do teu pai, que o carinho e o afeto que te dedico, que a vontade
imensa de te ver vitorioso na carreira que espontaneamente escolhestes, me
inspiram.
São advertências saídas no mais íntimo do meu coração.
Prepara-te, pois, para a vida, meu filho, certo de que nem tudo serão
flores. Os espinhos, as ilusões surgirão fatalmente. Mas que nada abata o teu
ânimo forte, o teu caráter, a tua dignidade, a tua coragem, o teu ardor cívico,
o teu amor à carreira que abraçastes.
Esta a única riqueza que teu pai pode legar.
Guarda com carinho esta primeira carta que te escrevo e que a Divina
Providência te faça muito feliz. Tua mãe e teus irmãos te abraçam. A saudade de
seu pai. Mário Lima.
( tenho essa carta guardada desde abril de
1956)
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