Uma
História de Natal
Depois de três anos de muita garra, estudo e privações,
Otávio terminou o curso na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza. Seu
destino era a Academia Militar das Agulhas Negras, onde se formaria oficial do
Exército. Naquele ano houve em Fortaleza uma “Maratona de Matemática”. Otávio
bom na matéria concorreu e venceu. Foi a maior alegria quando foi proclamado o
resultado. Ele ganhou uma passagem à Europa no Constelation da Panair.
Ao
chegar a Maceió mostrava a passagem com orgulho, seu prêmio, marcaria a viagem
para Europa no final do ano.
De férias em casa usufruía de coisas simples, como são
as coisas boas da vida. Otávio acordava cedo, vestia um calção de banho, descia
à praia da Avenida da Paz. Divertia-se em jogar uma pelada, mergulhar e nadar
na água transparente e cristalina. Ao sair sentava-se junto à Claudinha,
namorar de mãos dadas, depois um agarrado naquele mar azul esverdeado.
Certa
tarde convidou a namorada para assistir no Cine São Luiz, “Suplício de uma
Saudade”. Claudinha ainda chorava lembrando o filme enquanto passeavam, olhando
as vitrines das lojas. A Brasileira, A Radiante, Livraria Ramalho. Na bem
ornamentada vitrine da Joalheria Machado destacava-se uma bonita tiara.
Entraram na joalheria. Otávio colocou a tiara na cabeça de Claudinha. Ficou
emocionado com a beleza da namorada. Ao atinar o preço, o sonho acabou. Muito
caro para dois jovens ainda dependentes dos pais. A tiara ficou catalogada nos
sonhos impossíveis.
Na véspera de Natal a juventude convergia às
festas de ruas na Praça da Faculdade ou Sinimbu. Otávio amava assistir o
pastoril, a chegança, o guerreiro, o reisado, folclore de sua terra. Perto da
meia-noite cada qual com a família em sua casa para a distribuição e troca de
presentes. Depois da ceia, as famílias vizinhas reuniam-se para assistirem a
missa no coreto da Avenida da Paz.
Otávio
alegrou-se quando Claudinha apareceu. Ela estava exuberante, deslumbrante,
cabelos longos, louros, e um sorriso apaixonado. Ele aproximou-se, deu-lhe um
beijo terno, entregou-lhe o presente de Natal.
Ao
desembrulhar o papel havia uma linda caixa. Claudinha abriu, emudeceu,
balbuciou alguma coisa incompreendida. A emoção lhe deixou atônita quando percebeu
dentro da caixa a belíssima tiara. Colocou-a de imediato na cabeça. Uma
rainha. Logo depois ela soube por sua
cunhada: Otávio vendeu a famosa e preciosa passagem para Europa e comprou aquele
belíssimo, desejado e impossível presente. Ela beijou-o com muito carinho,
feliz, radiosa. Mostrava a todos sua belíssima tiara. Claudinha ficou louca de felicidade com
aquela loucura de amor.
Ao acabar a
missa, ficaram namorando num banco afastado da Avenida da Paz com beijos e carinhos
excitantes. Já eram quase três horas da manhã quando Claudinha convidou Otávio
para um passeio na praia. Queria curtir as estrelas naquela noite escura de lua
nova. Ao chegar à areia branca ela
abaixou-se, tomou-lhe a mão, puxando-o. Ele sentou-se ao lado. Otávio sentiu de
repente os lábios no ouvido e escutou a mais bela declaração de amor:
“- Eu
lhe amo mais que tudo nesse mundo. Passei essa semana escolhendo um presente
para você nesse natal. Foi difícil, tudo que eu imaginava, você merecia mais.
Na hora de dormir, ficava matutando, escolhendo o melhor presente. Pensei,
refleti. Resolvi então lhe dar o que mais tenho de importante na vida: eu
mesma. Nesse natal meu presente é meu corpo, meu sangue, meu amor. Sei que você
me ama, me respeita, mas também é tarado por mim. Pois meu presente
sou eu, minha virgindade, minha vida. Quero ser sua, quero que me possua, me
penetre...”
Abraçaram-se na areia. Muitos carinhos de
amor, desejos cheios de ternura. O vento soprou os gemidos em direção ao mar.
Só Yemanjá, os botos, as carapebas e Netuno ouviram os gritos de dor e de gozo
da rainha da tiara dourada. Os dois se amaram enquanto puderam, estavam sós
naquela bela praia. Ainda estavam deitados, abraçados, quando o Sol apareceu
como um Rei. Despontou uma cabeça vermelha como se fosse uma criança nascendo.
As nuvens brancas tornaram-se laranjas-avermelhada e o mar tremeluziu de
dourado. A manhã despontava cheia de alegria. Os amantes levantaram-se.
Abraçados, descalços, felizes, com os sapatos entre os dedos, caminharam juntos
entre carinhos e beijos, até que cada um rumou à sua casa.
Os raios de
sol iluminaram a praia, mostrando a marca vermelha de amor na areia branca. Era
sangue e areia; sangue encarnado impregnado na areia alva e morna. Uma bonita e
luminosa manhã surgia; testemunha de uma bela história de amor. Uma História de
Natal.
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