CHITA
RONALD MENDONÇA
MÉDICO. MEMBRO DA AAL.
Tive um amigo que se tornou comunista porque revoltou-se com a suposta indiferença de um usineiro ao atropelar sua cadelinha de estimação. Na realidade, o potentado não teve a menor responsabilidade sobre o ato. Ele não gostava de dirigir. O motorista, um homem do povo, não teve tempo de frear posto que o animalzinho cruzou de súbito a rodovia de barro batido. Saída dos canaviais, dava a impressão de ter sido um guará menos cuidadoso.
A morte da cadela produziu profundas modificações no espírito do futuro advogado. Antes relaxado com os estudos, nosso herói abandonaria as peladas e se transformaria num aluno modelo. As notas bisonhas transmudaram-se numa cachoeira de noves e dez. Ganharia uma bolsa para estudar no Colégio Diocesano. Tornou-se sombrio e taciturno. Não podia lembrar-se da sua “Chita” (o nome da cachorrinha) que caía em incoercível pranto. Nem por sua falecida mãe chorara tanto. Do pai guardava mágoas por ele não ter ido tomar satisfação com o usineiro.
No colégio, exprimia rancor com os colegas mais abastados. Não queria nem ouvir falar de famílias com sobrenomes que pudessem lembrar usineiros. Aos poucos foi ampliando esse leque para pessoas e famílias remediadas..
Crescemos juntos. No começo, pensava-se que ele fazia um pouco de “tipo” para chamar a atenção. No colégio havia alguns grupos que liam Marx e ouviam a Rádio de Praga. George e Julieta, dois alagoanos que faziam um programa em português, eram seus preferidos. Um dia iria trazer de volta esse casal, pensava.
A Revolução Cubana, a queda de Fulgêncio Batista e a ascensão de Fidel Castro deram-lhe a certeza inabalável de que era possível transformar o Brasil em um país comunista. O que ele mais vibrava era com os fuzilamentos em massa. Tinha por Che Guevara uma adoração. Gostava do seu bigodinho à Cantinflas, seu charuto, a boina, mas gostava sobretudo quando ele fazia o gesto de condenação. Se um dia tivesse filhos homens os nomearia por Fidel, Che Guevara, Stalin e Vladimir.
Apaixonou-se pelo Clube de Regatas Brasil, não obstante reconhecer que era agremiação das “elites”, que ele odiava tanto. Abrigava no seu coração uma brechinha que permitia admirar Miguel Rosa, o lendário zagueiro alvirrubro.
O grande sonho de sua vida era voltar a acariciar a cadelinha “Chita”. De quebra, “Chita” seria a mascote oficial do Regatas.
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