sábado, 10 de outubro de 2015

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

JARAGUÁ
                                                                 (Homenagem do autor aos 200 anos de Maceió)
                                                               
                    

     

N
o final do século XIX ricos comerciantes portugueses  construíram casarões avarandados em frente à praia do aterro em Jaraguá. Fachadas ornadas em dois andares, estilo arquitetônico europeu. Serviam para estabelecimentos comerciais embaixo e moradias em cima.

                     Por ser um ancoradouro natural, construíram nas imediações uma ponte de embarque aos navios, barcaças, catraias.
       A Ponte de Jaraguá efervesceu o movimento comercial da região. Inclusive foi um dos motivos da transferência da capital do Estado, da então cidade de Alagoas, hoje Marechal Deodoro, para Maceió.
    Cais, porto, ancoradouro, ponte de embarque, atraem biroscas, bares e cabarés. A região comercial de Jaraguá foi se transformando em ponto boêmio. Os moradores dos casarões, famílias das mais distintas e conservadoras, mudaram-se para outros bairros, abandonando aquelas moradias para o comércio atacadista e o comércio do amor.
       Os belos casarões tornaram-se casas noturnas, boates, cabarés. Esses lupanares abrigavam raparigas refinadas. Muitas importadas da Europa, França, Bahia e do sertão nordestino.
     As prostitutas ficaram mais de 70 anos naqueles estabelecimentos, trabalhando com o suor de seu corpo. Fazendo a vida na mais velha das profissões. Ao mesmo tempo, involuntariamente, conservaram esse patrimônio arquitetônico e histórico da cidade, o bairro de Jaraguá.
       Por essa razão alguns velhos boêmios resolveram homenagear as prostitutas que trabalharam naqueles casarões, preservando o patrimônio arquitetônico de Jaraguá, afixaram o "MEMORIAL À RAPARIGA DESCONHECIDA" em uma rua. Gesto merecedor e reparador.
         Nasci e me criei na Avenida da Paz, bairro de Jaraguá, onde originou a cidade de Maceió, segundo alguns historiadores. Aprendi a andar nas areias da praia e a nadar no mar azul-esverdeado, cor exclusiva daquela bela enseada .
     Durante a juventude fui frequentador dos lupanares, mesmo que, só para tomar uma cerveja ou ouvir música dos conjuntos afinados que tocavam para clientes movimentarem-se com as bonitas jovens. Com elas aprendi a dançar bolero, chá-chá-chá, mambo e o difícil tango argentino.
      Os nomes dos cabarés eram expressivos, Alhambra, Tabaris, Night and Day, São Jorge. Nas ruas circulares ficava a ZBM, ou seja, Zona do Baixo Meretrício, frequentado pela população menos aquinhoada, Duque de Caxias e Verde eram os “randevus”  mais conhecidos. Entrando pelo bairro, nas imediações onde hoje é o Centro de Convenções ficava a Zona das degradadas, O Sovaco do Urubu.
     Quando os bairros de Pajuçara, Ponta Verde tornaram-se habitados pela burguesia, houve forte pressão para retirar o meretrício de Jaraguá. Os barões sentiam-se incomodadas. Ao se deslocarem até ao centro inevitavelmente as famílias passavam pelo corredor de prostíbulos.
      Em 1969 a esposa de um Secretário de Estado, muito poderoso, morador na Pajuçara, foi ao mercado cedo, ao passar por Jaraguá teve um impacto ao ver um boêmio retardatário abraçado a um poste fazendo xixi na beira da calçada. Ao retornar do mercado com a imagem ainda forte do jato líquido amarelado, não saía do pensamento, reclamou ao marido. O Coronel em ofício ordenou a retirada de todos os prostíbulos de Jaraguá em 90 dias.
         A partir desse momento alguns casarões foram derrubados pelas imobiliárias e construtoras. Construíram prédios de gostos duvidosos como o BRADESCO e a COMISPLAN. Até que intelectuais e artistas liderados por Ênio Lins, Pierre Chalita, Solange Lages, Zélia Maia Nobre, conseguiram com o governador o tombamento do bairro de Jaraguá. Sem esse movimento nada mais restaria dos casarões que as mariposas do amor conservaram por mais de 70 anos.

     Em 1990, a AMAPAZ, Associação dos Amigos da Avenida da Paz, iniciou uma campanha para despoluir o Riacho Salgadinho e a praia da Avenida.
   Durante uma visita do então Presidente Fernando Collor foram colocadas faixas e cartazes em seu trajeto. No roteiro do presidente sempre havia faixas pedindo a despoluição do Salgadinho. O presidente prometeu atender.
     Em menos de dois meses a Ministra Margarida Procópio apresentou o projeto de despoluição do Salgadinho, junto, veio também o projeto da Restauração de Jaraguá. Entretanto, só em 1993 Ronaldo Lessa, como prefeito, conseguiu com o BID financiamento e tocou a obra de Restauração. Hoje Jaraguá está restaurado, porém o projeto cultural e o bairro estão abandonados, como também o Riacho Salgadinho e a praia continuam poluídos.
             Por conta dos velhos tempos e por ter participado, de certa forma, na recuperação do velho e bonito bairro boêmio de Jaraguá, a Liga de Blocos Carnavalescos de Maceió, comandada por Edberto Ticianelli me conferiu o título de DUQUE DE JARAGUÁ. O qual uso orgulhoso nos meus escritos, na minha identidade. O diploma de Duque fica bem visível, com muita honra, na parede de minha sala, uma homenagem ao bairro onde nasci e me criei. Vivi e vivo Jaraguá.
                 
                                          
   


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