terça-feira, 26 de maio de 2015

UM TEXTO DE SEBASTIÃO NERY - GAZETAWEB

Sebastião Nery

TUDO COMEÇOU EM LONDRINA

O historiador Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, comprova que o patrimonialismo brasileiro tem profunda resistência à meritocracia e impessoalidade na administração da gestão pública

Olho para artigo em 3 linhas...

Em 1954, o principal líder estudantil e presidente da União Paraibana de Estudantes era o François, de Campina Grande, na Paraíba. Preparando o congresso nacional da UNE (União Nacional dos Estudantes) que seria no Rio, uma comissão foi ao Norte e Nordeste. Em Campina Grande, o François nos garantiu que a maioria da delegação paraibana votaria com a esquerda. E votou. 20 anos depois, em 1974, recebi no Rio um telefonema de Londrina :

– Nery, aqui é o Leite Chaves, o François de Campina Grande. Sou candidato a senador pelo MDB do Paraná. Queria que você viesse ao comício de lançamento, para dar um depoimento sobre minha atuação no movimento estudantil, no nosso tempo da UNE.

Cheguei à tarde. O comício era à noite. No aeroporto, faixas e uma charanga tocando a musica da campanha. Vi logo o François:

– François, meu companheiro!

François deu um passo à frente, me abraçou e disse ao ouvido :

– Nery, não fale em François, pelo amor de Deus. Aqui em Londrina sou o doutor Leite Chaves, advogado. François aqui é cabeleireiro ou veado.

O doutor Leite Chaves, em plena ditadura, fez uma campanha brilhante pela oposição, ganhou e foi um senador valente e exemplar.



JANENE

Infelizmente, em Londrina, não havia apenas a banda boa do Leite Chaves com seus companheiros José Richa prefeito, senador e governador, Alencar Furtado várias vezes deputado, Helio Duque três vezes deputado, Álvaro Dias governador e senador, e tantos outros.

Também havia a banda podre, que nasceu lá atrás com José Janene deputado, Alberto Youssef doleiro, Antonio Belinati deputado duas vezes, prefeito e duas vezes cassado, e tantos outros. O Mensalão estava em Londrina com Janene. O Petrolão também está em Londrina com o mesmo Youssef do Mensalão. E reaparece a história rocambolesca do Janene, agora feito cadáver insepulto. E não é que quem assinou o atestado de óbito do Janene foi o Youssef?

Está na hora de Londrina deixar o Janene dormir em paz.

PATRIMONIALISMO

As diferentes Constituições brasileiras, as elaboradas por constituintes ou impostas pelo autoritarismo, têm um consenso: o Estado burocrático e patrimonialista é intocável. O notável escritor latino-americano Otávio Paz definiu que “patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública”.

1 – No Brasil, o patrimonialismo é secular. Muito bem definido pelo jurista e historiador Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder”, ele demonstra a herança ibérica, ao lançarem as bases para a formação do Estado tutor, “o governo tudo sabe, administra e provê, distribuindo riqueza e qualificando os opulentos”;

2 – Na mesma perspectiva, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, comprova que o patrimonialismo brasileiro tem profunda resistência à meritocracia e impessoalidade na administração da gestão pública. Certamente, havia lido “Economia e Sociedade” de Max Weber, adaptando o seu pensamento à realidade brasileira;

3 – Nele, Weber afirma que o patrimonialismo é quando o governo se apodera de recursos do Estado, distribuindo-os para grupos poderosos na economia. O interesse público e o privado tornam-se aliados intocáveis na dominação e usufruto da máquina do Estado.

BNDES

Um exemplo: na última década, o Tesouro Nacional transferiu R$ 435 bilhões de recursos para o BNDES, pagando taxas de mercado. São emprestados a juros negativos, a TJLP, para empresas “apelidadas” de campeões nacionais do desenvolvimento. Hoje o grupo JBS (Friboi) tem 25% de participação do banco e outros como Eike Batista

deram com os burros n’água. A fila é gigantesca. A TJLP – Taxa de Juros de Longo Prazo é de 6% ao ano.

Podem esperar. Depois da roubalheira na Petrobras, explodida pela coragem do juiz Sergio Moro e seus companheiros do Ministério Publico e da Policia Federal, um dia há de aparecer a podridão do BNDES e seus Fribois, Lulas e Lulinhas. E vamos ter saudade da Petrobras.

FIGUEIREDO

Não se escreve sobre livro que não se leu mais da metade. Ainda estou no meio de “1964 – O Ultimo Ato”, de Wilson Figueiredo (Editora Gryphus). Quem, como eu, viveu e sofreu o turbilhão do golpe militar de 1964, fica até hoje surpreso com a inacreditável lucidez e sabedoria com que o poeta, escritor e redator do Jornal do Brasil, com seu estilo brilhante e fulgurante, testemunhou e interpretou aqueles turvos dias.

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