quarta-feira, 1 de abril de 2015

UM TEXTO DE CRISTIANA LOBO - G1

Roteiro combinado


No fim da sessão do Senado desta terça-feira, o senador Romero Jucá afirmou: "O Joaquim Levy é o melhor articulador político do governo". O elogio tinha uma razão clara. Na véspera, o ministro da Fazenda deixou seu gabinete para mais uma visita ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que o recebeu tendo ao lado Jucá - o relator preferido de todos os governos para matérias importantes. 

A dupla Renan e Romero funciona assim: Renan é o mestre da política, faz os grandes movimentos pois detém a força da presidência do Senado. Jucá é quem costura o plano dentro do plenário, contando, além da habilidade pessoal de transitar em todos os partidos, com a capacidade de compreender o mérito de cada matéria, inclusive o impacto econômico de cada medida. Uma dupla perfeita, portanto. Para o bem ou para a tristeza dos governos.

Neste caso, os dois atuaram juntos e em parceria com Joaquim Levy. Parecia desde a segunda-feira que os dois queriam mostrar ao ministro da Fazenda a força que têm juntos. E ali foi acertado o roteiro para garantir ao ministro o adiamento da votação do projeto sobre a renegociação da dívida dos Estados e municípios – assunto do maior interesse do governo e que, se não fosse adiado, seria mais uma grande derrota política do governo.

Ali no gabinete da presidência do Senado foi traçado o roteiro para a terça-feira. Eles deram conselhos a Levy sobre a forma de se apresentar à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Era a prova de fogo do ministro. Ele acabou pulando a fogueira e saiu ileso do outro lado. Não cometeu erros. Portanto, saiu vitorioso. A bola passava, então, para a dupla Renan e Romero. Os dois contaram com a parceria do líder da bancada do PMDB, Eunício Oliveira.

De repente, Eunício fez a proposta que era fundamental para o adiamento da votação: apresentou requerimento propondo a inversão da pauta do Senado de modo que ficasse em primeiro lugar a votação do projeto sobre convalidação dos incentivos fiscais concedidos no passado por Estados – assunto que dividia o Senado. 

Naquele momento, entrou em discussão não só o requerimento, mas o mérito da convalidação dos incentivos. Senadores de São Paulo e do Rio eram contra a matéria. Daí começou uma longa discussão com proposta de José Serra (SP) de voltar com o projeto para a Comissão de Constituição e Justiça. Vários senadores se manifestaram e ficara claro que a maioria era francamente favorável à convalidação dos incentivos. Afinal, os Estados usaram este recurso para atrair investimentos em seus territórios. Todos no mesmo barco, menos São Paulo e Rio.

Colocado em votação, o requerimento foi aprovado por 52 votos a favor e seis contra - exatamente os três  senadores de São Paulo e os três do Rio. Requerimento aprovado, o projeto poderia, então, ser votado. E depois, a renegociação da dívida dos Estados. Rapidamente, Romero Jucá foi ao microfone de apartes e fez a sugestão: que a votação do mérito da matéria fosse adiada para a semana que vem, e o tempo seria utilizado para que os senadores discutissem detalhes da aplicação da lei. Caiu como uma luva. Já passava de oito horas da noite, todos cansados, o quorum caindo. Renan Calheiros explicou. "Em bom português, o que o senador Romero Jucá está propondo é o adiamento da votação, dado que o resultado já está claro nesta votação do requerimento de inversão de pauta", disse.

Aos poucos, o plenário foi ficando vazio e a proposta acolhida. A tal convalidação dos incentivos fiscais concedidos no passado ficou para a semana que vem. E como este é agora o primeiro item da pauta, a votação da renegociação da dívida será depois. Lá para quarta-feira que vem. Até lá, o próprio Jucá vai preparar uma emenda à proposta vinda da Câmara, estabelecendo que a renegociação passe a vigorar a partir de 31 de janeiro de 2016.

Isso é precisamente o que quer o ministro Joaquim Levy.

Resumo: cumprido o roteiro, Renan e Romero entregaram ao fim do dia o que haviam combinado com Joaquim Levy. Os dois fizeram tudo, mas, nas declarações ao fim de dia, deram ao ministro, que muito pouco entende de política, o título de "grande articulador político do governo".

Um senador de oposição acompanhou tudo de perto e ao final desabafou: "Nós funcionamentos aqui como massa de manobra". Não restava outro caminho à oposição. Afinal, interessa a cada um deles (exceto os representantes de São Paulo e do Rio) a convalidação dos incentivos fiscais já concedidos. Muitos ali, senadores, foram governadores e recorreram ao incentivo fiscal para atrair investimentos.

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