quinta-feira, 26 de março de 2015

UM TEXTO DE RICARDO SETTI

RICARDO SETTI
INTERVENÇÃO MILITAR, SEMPRE GOLPE
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Amigos, é preciso com urgência desfazer um grande mal-entendido que vai sendo disseminado país afora pelas redes sociais e aparece nas manifestações públicas de protesto contra o governo, como ocorreu, aqui e ali, no gigantesco ato da Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 15 de março.

São os pedidos da suposta "intervenção militar constitucional" para, também supostamente, resolver a atual crise.

Mal informadas ou, talvez na maioria dos casos, muito mal intencionadas, as pessoas que pedem essa "intervenção" se baseiam, uma vez mais supostamente, num artigo da Constituição, que discutirei abaixo.

MAS NÃO EXISTE "INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL" no sentido que elas imaginam e querem.

Em uma democracia, como a imperfeita, mas democracia, que temos, é INADMISSÍVEL que haja ações militares de qualquer natureza sem o comando da autoridade civil, eleita pelo povo ou derivada dos eleitos.

Os comandantes das Forças Armadas NÃO PODEM tomar a iniciativa de qualquer ação diante de uma crise. Estariam violando a Constituição e a lei. Ocorreria em tal caso hipotético o que nenhum brasileiro democrata quer, nem de longe: um golpe de Estado, que lançaria o Brasil no rol dos países párias internacionais.

No Brasil de hoje, como em qualquer Estado moderno, não sobrevive mais sequer a aberração dos "ministros militares", existentes desde o alvorecer da República — proclamada, como se sabe, por um golpe militar. Durante a ditadura, chegamos ao extremo de ter cinco "ministros militares": os do Exército (ex-Guerra), da Marinha e da Aeronáutica, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e o chefe do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), sempre um general do Exército — sem contar o chefe do Gabinete Militar, que constituía virtualmente um sexto "ministro militar".

Nem o país militarmente mais poderoso do mundo há pelo menos três quartos de século, os Estados Unidos, tiveram "ministros militares". Excetuado um pequeno punhado de militares que, compreensivelmente, foram secretários da Guerra (hoje da Defesa) nos anos posteriores à Guerra da Independência, no século 18, a meia centena restante se compõe de civis.

A partir da criação do Departamento de Defesa, em 1947, só um entre os 25 secretários até hoje ostentou a condição de um militar — e que militar: o extraordinário estadista que foi o general George C. Marshall, um dos únicos cinco generais de cinco estrelas da História americana, chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA e principal assessor militar do presidente Franklin D. Roosevelt durante a 2ª Guerra Mundial.

Depois de apenas um ano à frente do Pentágono, seria ele o secretário de Estado que arquitetaria e poria em execução o Plano Marshall, que retirou a Europa Ocidental dos escombros e das cinzas da guerra e permitiu ao continente rumar para a prosperidade.

No Brasil, acabaram em 1999 os "ministros militares". O que existe desde então, por iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso e do Congresso Nacional, é um ministro da Defesa, civil, aos quais estão subordinados os comandantes das três Forças Armadas.

O EMFA, hoje, segundo a Constituição e as leis, é órgão de assessoramento do ministro da Defesa, e o SNI foi substituído por um órgão eminentemente civil, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também criada por iniciativa de FHC, igualmente em 1999, e que é um órgão de assessoramento do presidente, "assegurando-lhe o conhecimento de fatos e situações relacionados ao bem-estar da sociedade e ao desenvolvimento e segurança do país".

As pessoas que mencionam a tal "intervenção militar constitucional", que NÃO EXISTE, baseiam-se no artigo 142 da Constituição, que estatui (o negrito é iniciativa do blog): "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionaise, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Vejam bem: a presidente Dilma, enquanto se mantiver no Planalto, é a comandante suprema das Forças Armadas, como foram Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula. Como é Obama, nos Estados Unidos. Como é Hollande, na França.

Mais: as Forças Armadas se destinam, além da defesa do país — objetivo primevo, ancestral, de exércitos e Forças Armadas no mundo inteiro ao longo da História -, "à garantia dos poderes constitucionais". O que são? O Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Então, elas GARANTEM, e não podem nem de longe AMEAÇAR os poderes constitucionais.

Mais ainda: elas se destinam à garantia "da lei e da ordem" — da LEI e da ordem -, em determinadas ocasiões excepcionais, "por iniciativa de qualquer" dos poderes constitucionais.

Ou seja, a INICIATIVA é do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. NUNCA dos militares.

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