Um mérito não se pode negar ao PT: ao exacerbar a níveis impensáveis vícios que estão na origem e formação política do país – corrupção, populismo, impunidade, patrimonialismo, fraude eleitoral -, provocou uma espécie de congestão cívica.
O organismo nacional habituara-se a conviver com tais mazelas em graus, digamos, homeopáticos. Não estava preparado para uma overdose. O resultado é a diarreia institucional a que se assiste. O PT funciona como um purgativo que, no processo de desenvolvimento político do país, será um dia reconhecido como necessário para a cura de infecções imemorialmente instaladas.
Se se mantivessem os padrões anteriores de assalto aos cofres públicos e privatização do Estado, o partido teria contribuído para preservá-los. Não teria, numa palavra, feito a diferença. Ao levá-los ao paroxismo, com o propósito de perpetuar-se no poder – ou, como diz o texto de sua reforma política, de “tornar hegemônica a sociedade” -, sacudiu o espírito de tolerância da população.
Fez com que o cidadão comum – que paga impostos e mantém o Estado – obedecesse o que lhe pediu (com outra intenção, óbvio) o próprio Lula: que tirasse “a bunda do sofá” e fosse às ruas reclamar. O que se tem, neste momento, não é exatamente, como se pensava em junho do ano passado, uma insatisfação difusa. Hoje, tem nome e CNPJ: o PT.
Há, sim, desarticulação e ausência de líderes, mas a insatisfação não é difusa: é infusa. Transbordou, depois de mais de uma década de expectativas contrariadas. Paulo Roberto Costa disse, na CPMI, que sempre houve nomeações políticas na Petrobras. Com certeza. E o propósito de colocar políticos – ou apadrinhados de políticos – em uma empresa de natureza técnica não tinha propósitos técnicos. Isso é também óbvio.
Mas jamais nenhum deles colocou em risco a própria sobrevivência da empresa, baixando-a do quinto lugar no ranking mundial para a 120º posição. Supor que a quantidade não faz diferença é como equiparar um homicídio ao genocídio, uma guerra entre policiais e bandidos à bomba de Hiroshima.
O sociedade brasileira acostumou-se a ter governantes desonestos. Uns roubavam, mas faziam; outros não roubavam, mas deixavam roubar. Nenhum, porém, ousou chegar à casa do bilhão; nenhum concebeu uma ação sinérgica, que envolvesse toda a máquina pública, sem exceção. O PT sabe disso.
Soube explorar muito bem, ao tempo em que era oposição, a indignação represada do brasileiro. Levou-o às ruas para derrubar Fernando Collor, cujos desvios seriam hoje gorjeta perante o quadro já constatado apenas na Petrobras.
Não se abriu ainda a caixa preta da Eletrobras, do BNDES, dos fundos de pensão – e das “ferrovias, rodovias, portos e aeroportos”, conforme sugeriu Paulo Roberto Costa, em seu depoimento à CPMI, na terça-feira passada.
Sabe-se que há muito mais, como havia no Mensalão. Mas o que se tem já dá a medida do estado da arte: o país está sendo assaltado como nunca antes de viu – ou se verá (a própria Dilma disse que “o país jamais será o mesmo”, não é?).
O PT, ao longo de sua trajetória na oposição estabeleceu paradigmas mais rigorosos para o senso moral do cidadão comum. Tornou-se agora vítima de sua própria estratégia – sim, não era mais que uma estratégia, sem fundo moral algum.
Ao chegar ao poder, provocou uma imprevista inversão: afrouxou seu discurso moral, enquanto a população estreitou o seu. O resultado está nas ruas – e no paradoxo exibido na votação da LDO no Congresso: a esquerda chamando os seguranças para impedir o acesso do povo às galerias.
O PT perdeu o monopólio das ruas e conta agora apenas com a possível eficácia do aparelhamento das instituições. Mas estas, aparelhadas ou não, não costumam ter vocação para o suicídio. O futuro dirá, mas 2015, sem dúvida, promete ser um ano interessante.
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