OS
OITO CADETES
Ano passado fui
à Resende, Rio de Janeiro, comemorar
aniversário de formatura de minha turma na AMAN, ao ultrapassar depois de tanto
tempo o Portão Monumental da Academia Militar das Agulhas Negras veio-me forte
emoção e recordação. Caminhei pelos quatro cantos da grande escola de minha
vida, boas lembranças, revi a cadeia onde fiquei preso por ter ingerido bebida
alcoólica e participado de uma briga em lugar incompatível com a condição de cadete
(zona). Essa briga entre cadetes x caminhoneiros deixou-me 15 pontos na cabeça
e 15 dias de prisão.
Depois de dois
dias em Resende seguimos, oito casais, sete generais e um capitão, para um belo
hotel em Itaipava. Para completar o encontro, fomos ao Rio de Janeiro que
continua lindo. Uma semana de muitas histórias relembradas. Companheiros de
turma, irmãos por adoção, durante anos ralamos juntos naquela magnífica Escola
Militar ao pé das Agulhas Negras, um dos picos mais altos do Brasil. Nas
noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas
relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas como a história
dos oito cadetes de pelerine.
No início de
1943, tempo de II Guerra Mundial, a construção da AMAN havia paralisada por
falta de verba; funcionava no Rio a velha Escola Militar do Realengo,
instituição que formou muitos militares conhecidos no século passado, como
Castello Branco e os outros generais presidentes.
Naquela época uma das diversões do
cadete era montar nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam
cavalgar. Oito companheiros inseparáveis saíam sempre juntos, um ajudava ao
outro nos estudos, nas dificuldades. Irmãos por escolha, por opção. Em algumas noites costumavam sorrateiramente
cavalgar até uma boate de mulheres que havia no subúrbio do Rio de Janeiro.
Naquela época prostituta namorava. Os oitos cadetes vestiam-se apenas com
pelerine (capa militar longa, azul marinho, sem mangas), botas e o quepe a
Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Havia um
detalhe, por baixo das pelerines eles nada vestiam, todos nus, faziam farras
tremendas no cabaré. Os cadetes cavalgavam nus, dançavam nus, apenas cobertos
pela pelerine. Certamente iam nus para os quartos das prostitutas apaixonadas.
Diversão de alto risco, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam
cadeia ou até expulsão.
Certa
noite depois de dançar e deitar com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos
cavalos escondidos no mato, com um grito de comando dispararam pela estrada de
barro retornando à Realengo. Ao passar por uma rua deserta, por volta das 23
horas, perceberam numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num
senhor, ele pedia clemência, que não lhe matassem. Os cadetes, os oitos
cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas, os cavalos dirigiram-se
para o local do assalto, com destemor e perícia, desmontaram dos cavalos à
galope, agarraram os bandidos. Dois socorreram o cidadão, devia ter mais de 60
anos, os outros prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia
próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.
Na segunda-feira durante a formatura
matinal, o comandante da Escola Militar do Realengo pediu à tropa para que os
cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão se apresentassem, o filho desse
senhor encontrava-se na Escola, queria agradecer. Receosos de pegar uma cadeia,
os oito amigos não se revelaram. Depois do comandante muito insistir e promessa
de não haver punição, os cadetes se apresentaram. Foram levados à presença do
velho no hospital. Era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens
mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyde Nacional, companhia
de navios que fazia a costa brasileira. O rico senhor agradeceu aos cadetes e
perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que queriam, casa ou
carro, ou o que fosse. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se,
discutiram muito. No outro dia foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam
que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras
que estava paralisada. O velho deu a ordem, mandou buscar o mais fino mármore
de Carrara na Itália para o revestimento, mandou comprar todo o piso em granito,
recomeçaram as obras da Academia por sua conta. Até hoje perdura o luxo e a
suntuosidade daquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a
mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito
cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos, entretanto, o
belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda,
sempre lembrada nas reuniões de militares brasileiros.
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