quarta-feira, 3 de setembro de 2014

DEU NO JORNAL DA BESTA FUBANA

AMARGURA E PRECONCEITO

José Casado
Companheiros e companheiras” – ele disse ao séquito do partido que partilhava o lombo de um caminhão. Lula fez a pausa estudada e completou: “Eu acho que está na hora de vocês darem um jeito.”
O político que se considera o mais popular do Brasil dava vazão à sua amargura com o eleitorado: “Eu não posso entender como é que o povo reclama tanto da educação, que o povo reclama tanto do transporte, que o povo reclama tanto da saúde, que o povo reclama tanto da segurança e o (Geraldo) Alckmin tem 50% nas pesquisas de opinião pública. Alguma coisa está errada!”
Aconteceu na noite fria de uma quarta-feira, dia 28 de agosto passado, em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, durante um comício do candidato do PT ao governo paulista, Alexandre Padilha (45 pontos abaixo de Alckmin). Com Lula no palanque, o partido esperava reunir dez mil pessoas no centro, no horário da saída do trabalho. A audiência ficou restrita a meia praça, incluídos “plaqueiros” com R$ 30 de diária.
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Lula não escondia a frustração. Pesquisas, inclusive as do próprio PT, confirmavam a ameaça real de uma expressiva derrota dos seus candidatos tanto na disputa presidencial quanto na maioria dos 19 estados onde concorrem (com destaque para São Paulo), além de eventual redução da bancada no Congresso (103 cadeiras, atualmente) e nas assembleias (149).
Na noite anterior o Ibope retratara o declínio da presidente-candidata Dilma Rousseff, sua alta rejeição e a ascensão de Marina Silva. À frente da matriz de São José, Lula falou das pesquisas. E, sem citar o nome de Marina, deu a receita sobre como se “fazer alguma coisa”.
Indicou a fórmula da disseminação do medo (“não deixem o Brasil voltar ao que era antes de 2002, os mais jovens não sabem o que era o Brasil antes de eu chegar à Presidência”), e da introdução da adversária na galeria dos aventureiros (definiu-a como “alguém que não é político”). Nas horas seguintes, o PT começou uma guerrilha para “desconstrução” de Marina. O estilo é idêntico àquele que Fernando Collor impôs a Lula na disputa de 1989, com uma novidade – pitadas de preconceito religioso.
Dilma, candidata cuja taxa de rejeição já supera a soma das suas intenções de votos, parece ter se esquecido de que é presidente. Abandonou o roteiro do “otimismo” e passou a usar a Presidência como tribuna para profetizar o caos. Agora emite vaticínios apocalípticos diários sobre a economia em um eventual governo adversário, embora sua administração exiba um dos três piores índices de crescimento econômico dos 125 anos da história republicana.
Na vida real, Lula e Dilma tentam dissimular um fato relevante que emergiu com as manifestações de rua do ano passado, ganhou corpo nesta campanha e, em boa medida, independe do resultado das urnas dentro de quatro semanas: sobram indícios do fim de um ciclo na política brasileira.
Além de confirmar um desejo majoritário por mudanças, as mais recentes pesquisas indicam que Marina, com apenas dez dias de campanha, ultrapassou Dilma e lidera com até 18 pontos de vantagem na fatia do eleitorado cuja renda mensal varia entre R$ 1.400 e R$ 3.600, não tem plano de saúde e trabalho assalariado. Sinalizam o ocaso da hegemonia que a máquina eleitoral petista ergueu sobre a maioria pobre.

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