Quando entrei no apartamento, depois de receber as instruções básicas e fundamentais da proprietária, fui à varanda. Precisava, antes de tudo, perceber a paisagem, apoderar-me dela.
Em cidade grande nada parece diferenciar. Os dias e os rostos se repetem no transitar permanente. E um cristão carece olhar bem cada parede, cada tijolo e paulatinamente ir descobrindo o que se esconde nas entranhas de cada canto. Este, para mim, o mais sábio prazer de uma viagem. E assim fui à varanda sem esperar grandes surpresas, afinal, poucos anos antes tinha palmilhado com olhos ávidos aquelas paragens. E a arquitetura construída para a necessidade dos homens me legou fascínios.
Muitos anos antes, em tempos mais ingênuos e curiosos, passeando a vista sobre velhas fotografias, despertei para as escadas de emergência expostas da cidade. Rosita, a viúva do fotógrafo Heinz Forthmann, explicava o incêndio havido ainda nos primórdios do século XX. As línguas de fogo engoliram vários quarteirões e as pessoas, muitas, morreram presas nos edifícios sem saídas de emergência. Um arquiteto criativo desenhou as escadas que ainda hoje dançam com elegância compondo as fachadas.
Assim são as cidades, nascem, crescem e morrem ao sabor do desejo humano.
E foi à cata desta cidade de paisagem surpreendente, e capaz de encantar as almas mais indiferentes que fui à varanda, afinal, em várias de suas entrevistas, Oscar Niemeyer disse-me que arquitetura é também espanto. E o espanto se deu.
Dali era possível enxergar duas imensas torres opulentamente douradas. Durantes vários dias, ao sol ou à lua, postava-me à varanda para admirar as belezas inalcançáveis. E daí começou minha busca, sobretudo porque, sentado à mesa do café da manhã, no canto oposto à varanda, outra torre serenamente olhava-se em sua exuberância. Daí apanhei um casaco capaz de suportar o frio da manhã e fui catar no emaranhado das ruas as histórias de meus desejos.
Três filhas de um tempo de prosperidades. A crença no individualismo e na força da imensa nação do Norte já brotava no orgulho de toda aquela gente quando, em 1909, surge numa rua da cidade a sede da Metropolitan Live Insurance. Intimamente até chamada de Met Live Tower, com sua torre dourada e seus 213 metros de altura era então o edifício mais alto do mundo, posto perdido em 1913.
A cidade não perdeu o gosto da ambição. Em 1928, depois de dois anos de construção, 25 mil telhas folheadas de ouro dão vida ao telhado piramidal dourado da sede da New York Life Insure Company. Já não era lá muito alta, apenas 187 metros, mas a imponente beleza desafia qualquer indiferença ainda hoje. Como também desafia o olhar distraído a terceira torre, a do Chrysler Buiding.
À noite, com as luzes ligadas e transpirando brilho por suas janelas é um imenso diamante no céu. Foi construído em 1930 para ser o mais alto prédio do mundo, 319 metros, e para ser sede da companhia de automóveis. Conta-se que diante do anúncio de um prédio maior, o arquiteto William van Allen criou uma antena com 56 metros para sustentar o posto. Pouco adiantou. No ano seguinte surgia o Empire State Building com seus 381 metros e uma estrutura capaz de suportar o peso de King Kong.
Como estrangeiro não me toca o jogo das ambições, mas o espanto não cansa de sair de meus olhos. E volto à varanda prenhe de encantadora intimidade. Como numa antiga canção de Chico Buarque, de tão tolo, até penso que a paisagem é também minha.
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