sexta-feira, 23 de maio de 2014

UM TEXTO DE MAURÍCIO MELO JÚNIOR

MODAS, MODOS DE CADA UM

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Tenho certeza que eles estavam vindo de Woodstock. Tomaram a última condução, a que saiu mais de quarenta anos depois do derradeiro toque de guitarra. Alguns estavam mortos, Jimmy Hendrix, Jane Joplin, outros, como eles, sobreviviam ainda de glórias e lembranças. E isso me deu a possibilidade de cruzar com eles num ruas qualquer sob o sol aberto do princípio da tarde de sábado. A rebeldia entardecida ainda resvalava naqueles rostos. Talvez não entendessem os novos dias. Mudara o mundo, não restavam dúvidas sobre o fato, mas aquele casal ainda sonhava com uma liberdade que passou por todas as portas e já não se fazia como novidade. Joana Baez quando estivera no Brasil fora proibida de cantar e para não frustrar o público dançou ao som instrumental de suas canções. Assim acontecia naqueles idos tempos, mas o casal parecia não se dar conta sequer da idade que ostentavam.  Ele caminhava com imensa dificuldade, ela o amparava. As calças listadas em azul e branco dele, ao seu modo, combinavam com a larga camisa laranja e o colete aberto desenhado com bordados psicodélicos. Do pescoço pendia um medalhão prata imenso. Os longos e ralos cabelos estavam presos por uma faixa de pano colorido. A saia dela, de um vermelho bem vivo, voava sem amarras, sua bata branca, de inspiração indiana, também bordada com motivos da época paz e amor, escondia os peitos caídos e os longos cabelos brancos disfarçavam as rugas não precoces.
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Envelheceram talvez em paz, mas certamente se amando bem ao sabor da juventude já distante. Caminhavam com a dificuldade natural da idade e demonstravam felicidades. Pareciam trazer as consciências serenas, e ninguém na cidade reparava em suas veste outrora escandalosas.Aliás, ninguém repara ninguém nesta terra.Os judeus com suas barbas longas e suas vestes enegrecidas. Os indianos com seus turbantes e suas barbas crescidas desfilam com suas mulheres de vestidos compridos e coloridos e sinais de rena pelo rosto. Homens com paletó de corte moderno, outros civis com roupas militarizadas, mulheres longilíneas com seus trajes de executivas caminham lado a lado com outras trajando o extremo da informalidade. E ninguém parece ditar nada. Vi numa loja da moda um vendedor magro, todo vestido com justíssimas roupas pretas, cabeça totalmente raspada, de onde pendia uma espécie de véu preto, brincos nas orelhas e pinces nos lábios. Parecia estar de bem consigo mesmo.
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Em verdade, vi quase tudo. Uma moça de pele clara, cabelos vermelhos, blusa listada e short jeans desfiado e desbotado que deixava ver as meias rasgadas. Um menino oriental com cabelo moicano e gueixas quase autênticas. Um casal de hippies estilizados, ela com tatuagem e cabelos vermelhos, tomando sol no parque. Noivos à caráter, smoking ele, vestido de mil babados ela, se beijando ao pé de uma fonte. Monges budistas com suas amplas batas alaranjadas. Há espaço para todas as tendências ou para a falta delas nestas ruas. O importante é se portar como aos velhos recém-chegados de Woodstock. Em outras palavras, a vida somente vale quando vivida ao sabor da felicidade.

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