segunda-feira, 5 de maio de 2014

UM TEXTO DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO - GAZETAWEB


PROGRESSÃO

– A senhora, quem é?

– A esposa, doutor.

– Muito bem. Conte-nos o que houve.

-Não sei doutor. Ele chegou em casa, depois de esperar horas na fila de um banco, ser assaltado no ônibus, passar pelo supermercado sem poder comprar nada e começado a ver o “Jornal Nacional” 

– E foi ficando vermelho. Entendi. Ele está cheio. Ou, para usar o termo cientifico, pê da cara.

– É grave, doutor?

– Se conseguirmos controlar a tempo, não. O perigo é ele passar para uma fase mais aguda, quando em vez de vermelho ficará fulo.

– Fulo?

– Uma cor indefinida, entre o vermelho e o roxo. Nesta fase, o importante é ele ficar em isolamento, sem receber notícia de espécie alguma, principalmente do Brasil.

– O que eu posso fazer, doutor?

– Fale com ele sobre a seleção, sobre como o Felipão parece estar acertando e como faremos bonito na Copa. E outras coisas boas. Só cuidando com a dosagem, para não parecer gozação. Os efeitos colaterais podem ser sérios.

– O que pode acontecer?

– O paciente ficar uma arara.

– Uma arara?

– É um fenômeno interessante. Botamos ele numa gaiola, até que passem os efeitos.

– Ele parece estar ficando cor de rosa.

– Ainda bem. Senão teríamos problemas. Nestes casos, a pessoa segue uma progressão. Fica em alas, depois vermelho ou pê da cara, depois fulo, depois uma arara e finalmente entra na fase terminal.

– Qual é?

– Fica tiririca.

– Meu Deus!

– No Brasil, milhares de pessoas ficam tiririca todos os dias.

– Doutor, acho que ele esta tendo uma recaída!

– Enfermeira, uma injeção de otimismo, rápido.

– O otimismo acabou, doutor.

– O que? Maldito corte de verbas!

– Doutor, o senhor está ficando vermelho!

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