terça-feira, 5 de novembro de 2013

JB NA HISTÓRIA

5 de novembro de 2006: Forca para Saddam

Saddam Houssein é condenado à forca. Jornal do Brasil: Segunda-feira, 6 de novembro de 2006

"Vocês não decidem. São servos dos invasores, marionetes. Malditos sejam vocês e seu tribunal. Alá é o maior, Alá é o maior, Alá é o maior".

A audiência durou intermináveis 50 minutos. Indignado, o ex-ditador passou boa parte do tempo gritando protestos e rogando pragas: "Malditos sejam vocês e seu tribunal".
Ao entrar, Saddam tinha o Corão na mão, como sempre fez desde que o julgamento começou, em outubro de 2005. Imediatamente, o juiz Raoulf Rasheed Abdul Rahman se preparou para ler a sentença. O réu deveria levantar, como é de praxe. Não para Saddam, que se recusou e foi erguido por guardas.

Quando Rahman começou a ler a lista de crimes dos quais todos era acusado, Saddam iniciou o que parecia um mantra: "Vida longa ao povo. Vida longa à nação árabe. Abaixo os espiões. Alá é maior, Ala é maior, Alá é maior..." Restou ao juiz um único comentário: "Sr. Saddam Hussein, isso não faz sentido".

Também deu trabalho ao juiz um advogado americano do time da defesa. Ramsey Clark, que já foi procurador-geral dos EUA, enviou um documento à Corte, chamando o tribunal de "arremedo de Justiça". "Este requerimento... como descrevê-lo? É risível. Retirem-no daqui", disse o juiz. Mas a ordem de Rahman demorou a ser cumprida. Foi a sua vez de perder a calma: "Fora! Fora!", repetiu, aos berros, em inglês.

Saddam e os outros réus foram acusados pela morte de 148 pessoas xiitas da cidade de Dujail, em 1982. A defesa argumentou que eram suspeitos de tentar matar o ex-ditador. Além de Saddam, foram condenados à morte seu meio-irmão Barzan Ibrahim al Tikitri, ex-chefe da Inteligência; e Adwad al Bandar, ex-chefe da Corte Revolucionária. Taha Yassin, ex-vice presidente, foi condenado à perpétua. Outras três autoridades foram condenadas a 15 anos. Mohammed Azawi, autoridade de Dujail, foi absolvido.

Depois de anunciada a sentença, a repercussão mundial foi imediata. Líderes palestinos foram solidários a Saddam. Irã e Kuwait, que já tiveram embates com o Iraque sob a ditadura de Saddam, apoiaram a decisão. De Bagdá, o primeiro-ministro Nuri Kamal al Maliki, naturalmente, também comemorou "a punição que ele merece". Hoje, o país amanhece sob rígido esquema de segurança, que fechou o aeroporto internacional e a fronteira com a Jordânia para evitar conflitos étnicos.

Os dividendos políticos da Justiça iraquiana
Uma semana antes audiência, circulou informação de que a Casa Branca pressionou para que a sentença de Saddam Hussein fosse liberada antes da eleições legislativas americanas. A ideia seria permitir que o presidente George Bush faturasse politicamente o anúncio no momento em que corria o risco de perder a liderança no Senado e na Câmara. Foi o que fez o presidente americano, tão logo noticiada a pena de morte, em discurso contido, no Texas. No tom de sempre, Bush lembrou que a volta da democracia ao Iraque é igual a mais segurança nos EUA. E fez questão de enfatizar que a sentença foi uma decisão da Justiça iraquiana.

Há, ainda, a possibilidade de a condenação despertar a ira de ativistas de direitos humanos - a União Europeia, por exemplo, soltou pronto comunicado, lembando ser sempre contra a pena de morte. Mas, como os réus podem recorrer, a execução não será logo. A cena do ex-ditador enforcado em praça pública, portanto, passa a ser problema para quando Bush souber se ainda manda no Congresso.

Fonte: Jornal do Brasil: Segunda-feira, 6 de novembro de 2006.

Saddam Houssein foi enforcado no dia 30 de dezembro de 2006, 55 dias após a condenação. Ao contrário do que defendeu Bush em seu primeiro pronunciamento após a condenação de Saddam, a democracia não foi devolvida ao Iraque, nem a segurança aos EUA. Mas aquela altura, Bush já tinha vivido uma derrota pessoal, com a conquista democrata no Congresso, prenúncio da mudança de rumos na política externa do país.

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