DAS
CONFISSÕES DE UM CAPITÃO
Cursando a Academia Militar das
Agulhas Negras em Resende, o cadete não tinha opções de vida noturna, vida
boêmia. Uma folclórica prostituta, Joaninha Batalhão, alugava seu corpo em uma casinha
nos arredores da cidade. O atendimento parecia consulta médica. Numa sala de
espera, sentados em cadeiras, os clientes esperavam por ordem de chegada,
tomando café, água ou conversando com amigos. Nas noites de sábado ela atendia
a mais de dez clientes, meia hora por consulta.
Certa
vez o Cadete Barroso, militar convicto, andava marchando, só pensava em
disciplina, só conversava sobre Exército, de apelido V.O. (verde oliva), em dia
de desespero, procurou os serviços de Joaninha. Entrou na fila, bem sentado na
cadeira, chegou sua vez.
Durante
o atendimento, caminhando tudo normal, dentro do previsto, de repente, Joaninha
pega no criado mudo uma revista Pato Donald, começa a folhear, a ler na hora do
trabalho. Barrosão ficou indignado, não teve dúvida, deu uma tapa na revista,
voou longe, repreendeu a prostituta como se estivesse dando uma ordem de
comando a um soldado: “Preste atenção ao serviço Joaninha!” Atenciosa, a jovem
terminou o trabalho com um suspiro fingido. Cadete Barroso pagou a consulta,
saiu aliviado e satisfeito.
Havia
uma casa de mulheres nas proximidades, Casablanca, os cadetes eram proibidos de
frequentar. Entretanto, havia sempre alguém furando a proibição. Certa noite de
um frio sábado, inverno, resolvemos ir à Boate Casablanca. Éramos mais de dez
cadetes. Quando chegávamos, cabeças raspadas, meninos cheios de saúde, fazíamos
furor até entre as jovens dos cabarés.
Certa
hora, um colega cadete bêbado tirou pra dançar uma acompanhante de
caminhoneiro. O motorista ficou brabo, começou no salão uma briga com murros,
tapas e cadeiras, eu nunca tinha visto parecida, só em cinema. Murro de um lado
e de outro, cadeiras se arrebentando nas costas, nos braços, copos voando.
Cadetes x Caminhoneiros. Vidros quebrados, mais de 10 minutos de luta livre.
A certa altura, gritaram: “A patrulha da
AMAN está chegando!” Todos corremos em direção ao campo, cada um por si até
chegar ao destino.
Quando eu
pulava uma janela nos fundos, levei por trás uma cadeirada na cabeça, senti a
visão escurecer, desmaiei. Quebraram-se, a cadeira e a cabeça. Um colega,
cadete Coelho, veio em meu socorro, acordou-me, levou-me para a via de fuga no
descampado. Nesse momento a patrulha já havia preso quatro cadetes. Na marcha
da retirada Coelho me levava arrastando pelo ombro. A dor foi aumentando, o
sangue não estancava, a ferida continuava sangrando. Pedi a Coelho que me
deixasse, preferia apresentar-me à patrulha. De qualquer modo, o ferimento iria
me denunciar. Alguns colegas conseguiram se evadir, embrenhando-se por dentro
do matagal.
Retornei
sozinho. Fui devidamente preso pela patrulha e escoltado até a enfermaria da
AMAN. Peguei 20 pontos na cabeça e 15 dias de cadeia.
Punição-
Cadete de Infantaria Carlos Roberto Peixoto Lima - Por ter frequentado ambiente
não compatível com a situação de cadete, por ter ingerido bebida alcoólica, por
ter participado de uma briga contra civis, infringido o R/4, Regulação
Disciplinar do Exército, fica preso por 15 dias. Permanece no comportamento
bom. Punição de caráter repressivo.
A
prisão em si não foi pesada. O problema foi sindicância instalada para apurar o
acontecimento. O capitão encarregado era encrenqueiro, da linha dura. Fez
pressão, marcação constante para eu delatar os colegas que conseguiram fugir.
Todo o dia me convocava, deixava-me numa cadeira por mais de duas horas
esperando, até que ele vinha com uma série de ameaças, se não contasse, seria
desligado do curso. Percebendo que eu não denunciaria os colegas, mudou de
tática. Tentou me convencer, por dever e até por amizade, eu deveria revelar os
companheiros de briga, era para o próprio bem deles, uma maneira de educar.
Logo a seguir, me ameaçava novamente. Até que chegou o prazo de encerramento da
sindicância. Peguei 15 dias de prisão. Jamais delatar está no Código de Honra
do Cadete que nunca foi escrito, entretanto, para nós, tinha a força da
dignidade.
(Esse
trecho está no meu livro de memória, CONFISSÕES DE UM CAPITÃO, sendo traduzido
para o espanhol, será lançado na Festa do Livro em Frankfurt, Alemanha, outubro
próximo)
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