segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

UM TEXTO DO HISTORIADOR GERALDO DE MAJELLA

TÔ ME GUARDANDO PRA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR


“Eu vejo as pernas de louça
Da moça que passa e não posso pegar…
Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.”
O carnaval é a mais importante festa do povo brasileiro. E é por esse motivo levado a sério pelas escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo, que hoje são encaradas como organizações empresariais. As escolas de samba trabalham em ritmo de tempo integral, ou seja, quando termina o desfile e é proclamado o resultado na quarta-feira de cinzas, em seguida, no sábado, acontece o desfile das campeãs dos grupos. Após as comemorações, todas as energias se voltam para o próximo carnaval.
Esta tem sido a dinâmica do mais importante centro econômico e cultural para onde convergem todas as atenções. Outros centros tão importantes como Salvador, Recife e Olinda também planejam e tratam o carnaval como uma das principais atividades econômicas locais.
Quem não detém as informações necessárias, acredita que o carnaval se organiza espontaneamente ou é obra de algum benemérito. Este era o modelo usado no passado. No entanto, o que move o carnaval, além da alegria contagiante dos foliões, são os negócios e os postos de trabalho diretos e indiretos.
O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, é categórico ao dizer que “não há como negar a relevância do carnaval para a economia”. Desconsiderar esse fato é um atestado de ignorância e inaptidão para a gestão pública.  
 As cidades que citei acima e inúmeras outras se preparam “pra quando o carnaval chegar”, como diz a letra de Chico Buarque. O turismo é um dos sessenta setores que compõem a cadeia produtiva. O pesquisador Luís Carlos Prestes Filho constata que “A economia gira quando uma escola compra isopor e tinta para construir um carro alegórico, quando um turista deixa sua cidade e se hospeda em um hotel para acompanhar os desfiles ou participar dos blocos, quando um vendedor ambulante reforça seu estoque para suportar a elevação na demanda, quando grandes empresas montam camarotes na avenida para receber seus convidados ou quando uma empresa de cronometragem é contratada para aferir o tempo exato dos desfiles”.
Maceió talvez seja a capital brasileira, na costa litorânea, que dispõe de beleza quase infinita, hotelaria estruturada e com qualidade. A cidade é um balneário com águas marítimas e lacustres. Dispõe de  patrimônio histórico e arquitetônico, artesanato e gastronomia primorosos. E o mais importante: tem um povo alegre e que gosta de carnaval.
A pergunta inevitável: qual o motivo para não haver carnaval nos dias em que os festejos de momo são comemorados nacionalmente?
O mais risível argumento foi disseminado sem nenhuma desfaçatez por “gestores públicos” na última década: o de que Maceió é a cidade ideal para o turista descansar durante o carnaval. O outro argumento: a falta de tradição da cidade em organização de carnaval.
Quanta sandice já foi dita com ar de sabedoria! O carnaval em Maceió foi, nas últimas três décadas, perdendo em organização, e o poder público (prefeitos e governadores) são os principais responsáveis, pois foram paulatinamente se  descompromissando com qualquer possibilidade de participar da organização e de fornecer a infraestrutura necessária.
Somem-se a isso as constantes mudanças de local dos desfiles das escolas de samba e dos blocos nas ruas centrais da cidade. E mais o ambiente de crise que se abateu sobre os clubes sociais e a avassaladora massificação dos carnavais baiano e pernambucano. Esses são alguns fatores internos e externos; há outros.
É verdade que alguns pequenos focos resistiram, a exemplo do carnaval organizado na Praça Moleque Namorador. Mas, como destaquei, é residual.
Em contraponto ressurgem nos bairros populares os Bois, os blocos de ruas e os grupos de maracatus. É uma evidência de vitalidade dos grupos de foliões que teimam em lutar contra a massificação cultural, e desta maneira, pobres e com dificuldade, renascem para a alegria do povo.
Entre o argumento utilizado da falta de tradição na organização do carnaval e/ou do sanatório em que alguns desejam transformar Maceió, a Barra de São Miguel “explodiu”, recebendo moradores de Maceió, de outras cidades do interior de Alagoas e de vários estados do Brasil. Mais que quintuplicando a presença de turistas/foliões.
O carnaval em Paripueira se reinventa e volta a receber turistas e maceioenses. Murici, Marechal Deodoro e Piranhas despontam com força e criatividade. Há vários outros bons exemplos.
A visão empobrecedora é contagiante, não como a alegria do folião, do frevo dançado nas ruas e nos salões; é contagiante, sim, pela ignorância, por incrível que possa parecer. Milhões de reais deixam de circular em Maceió no período de preparação e durante o carnaval. E os gestores da cidade não se deram conta do tamanho da perda econômica e também da perda simbólica por não terem organizado os festejos. Beira o irracionalismo. 
A beleza, a organização e a consagração das prévias carnavalesca de Maceió são recentes, pelo menos o modelo atual. Ainda na década de 1970, as prévias eram denominadas de  banho de Mar à Fantasia, capitaneadas pelo bloco Vulcão, da Polícia Militar de Alagoas.
Para alguns esse exemplo é coisa de saudosistas ou de um tipo de carnaval que não se repete. Até concordo que não há possibilidade de repetição, mas podemos realizar o carnaval “dos nossos tempos”.
Os dirigentes dos blocos Pinto da Madrugada, da Liga dos Blocos, dos Bois e das escolas de samba, ao tomarem conhecimento da “impossibilidade” da prefeitura de Maceió em contribuir financeiramente com a organização, imediatamente regiram anunciando que não haveria desfile dos blocos. A reação partiu inicialmente dos dirigentes do Pinto da Madrugada.
O Pinto da Madrugada é o maior bloco e o que tem mais acesso às grandes empresas. É quem mais tem influenciado os gestores públicos, pelo menos no quesito financiamento. Em face da repercussão negativa, o governo do Estado anunciou que irá contribuir. Talvez com menos que o esperado, mas o fato é que o governo estadual contribuirá. 
 
O mesmo não acontece com os do andar de baixo. As escolas de samba, os blocos independentes e a Ligas dos Blocos desfilarão sem nenhum tipo de ajuda governamental. As escolas de samba vão desfilar nos seus bairros de origem por falta absoluta de condição financeira para realizarem o tradicional desfile.
É papel da administração pública municipal e estadual, assim entendo, cuidar da organização do carnaval na maior cidade de Alagoas. Procurar envolver as associações de classes, como Federação do Comércio, Federação das Indústrias, sindicatos dos taxistas e dos hoteleiros, tentando convencê-los da importância de se ter carnaval em Maceió. Esse é um dos caminhos para que haja a ressurreição da maior e mais importante festa do Brasil, o carnaval.
Os motivos são econômicos, e há o óbvio: o direito que o povo tem à alegria, mesmo que fugaz, de se divertir durante o carnaval. Evoé!

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