segunda-feira, 28 de novembro de 2011

“A culpa ainda não deu carta de alforria à mulher” Albertina Duarte, primeira médica a criar programas de saúde feminina, fala sem rodeios sobre sua carreira e a mulher moderna



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Foto: Divulgação
Albertina Duarte, a médica de todas as mulheres
Albertina Duarte, 66 anos, é “a” ginecologista das adolescentes, das prostitutas, das sem-terra, das mães de família, das idosas, das indígenas, das lésbicas e das feministas.
Para estes mais diferentes pedaços que compõem o mosaico da palavra mulher, ela já desenvolveu algum programa de saúde específico. Desde que recebeu o diploma de medicina em 1975, estuda o ser feminino. Com esta experiência na bagagem, Albertina coloca em prática projetos preventivos contra agravidez precoce, a violência de gênero e também outros sintomas da mulher moderna, como obesidade, infarto e hipertensão.
A linha e a agulha que costuram esta população miscigenada de mulheres que já passaram pelas mãos de Albertina é a culpa, diz ela sem titubear. “A culpa ainda não deu carta de alforria à mulher”, brinca. “Lutamos e conseguimos inúmeros feitos. Mas ainda saboreamos as nossas vitórias com um gosto de culpa na boca. Isso é denominador comum, seja da sem terra, da prostituta ou da mulher que tem três filhos”, pensa.
No ano marcado por inúmeras conquistas da mulher – 2011 já começou com uma delas (Dilma Rousssef) no posto máximo da presidência da República – convidamos a médica a contar aoDelas os desafios da vida moderna.
Para falar de mulher, Albertina recorre à própria história. Foi parte do movimento estudantil que brigou contra a ditadura. Foi a primeira a dar um toque cor-de-rosa à diretoria cinza e masculina do Hospital das Clínicas de São Paulo. Foi eleita pelo Prêmio Nobel uma das 1000 mulheres de paz pelo mundo. Mas só se redescobriu “mulher” agora que virou avó. “Perdi 23 quilos para poder brincar com meus netos”
Delas: Você se lembra a primeira vez que ser médica veio a sua cabeça?
Albertina: 
Claramente. Nasci em Portugal, fui a primeira menina da família, adorava as bonecas de pano. Mas a minha brincadeira predileta era fazer curativo. Depois, quando vim morar no Brasil com uns 10 anos, vivi uma experiência traumática mas definidora da minha escolha profissional. Meu irmão caçula levou um coice de cavalo na barriga e morreu dias depois de hospitalizado. Em seu leito, eu dizia para ele que me tornaria médica para cuidar de outras crianças e não deixaria nenhuma morrer. Nunca mais pensei em ser outra coisa na vida.

Delas: E a paixão pela causa feminina? Como surgiu?
Albertina: 
Ficava inconformada com as limitações impostas ao gênero feminino. Eu mesma quando disse que seria médica recebi a reprovação dos meus pais, que não achavam a universidade um lugar adequado para mulheres. Na minha classe, na PUC de SP, éramos em 11 garotas, o restante todo masculino. E ninguém pensava em política pública para o feminino. Este era um ponto. O outro foi o primeiro parto que fiz, no 3º ano. Aquele recém-nascido me olhou nos olhos e eu tive a certeza. Ginecologia era o meu destino.

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