quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A LISTA DE CIDA

                                    
                    Acarajé do Meliá, o posto de escuta

                                                                                              Crônica de Carlito Lima

           -“Ah! Eu era a mais bonita, a mais gostosa, a favorita de muita gente importante. Quando tinha 18 anos, no início dos anos 80, um Ministro me conheceu, se apaixonou, levou-me para Brasília, assisti a Copa do Mundo com ele e amigos numa deliciosa fazenda. Passei três meses amigada, voltei porque quis. Tinha tudo do bom, ganhei presentes, muito dinheiro. Fui mesmo garota de programa, não minto. Não gostava de cafetina, de intermediário, trabalhava sozinha, naquela época aluguei um apartamento discreto, telefone. Só fazia programa com gente fina especial. Ainda hoje me lembro de todos”.
      -“Engraçado Cida, você não gostava, mas virou cafetina. Por que não deixa essa vida e tem um trabalho normal?”
       Eu ouvia esse diálogo sentado à mesa, comendo acarajé na praia de Jatiúca, defronte ao Hotel Meliá. Era um casal de coroas na mesa vizinha. Tomavam cerveja, conversavam, o vento ajudava a escutar o que diziam. Ele, magro, cabelos grisalhos despenteados, vestia calção de banho e camisa do Flamengo, bigodinho de conquistador, fumava e conversava com a loura artificial, meio alquebrada pela vida, um quê de mulher vulgar, entretanto, notava-se charme e energia, parecia não estar cansada de guerra. Pedi outro acarajé, outra cerveja, arrastei a cadeira para uma melhor posição de escuta, não perderia jamais, a instigante conversa.
       -“Deixo essa vida não, Paulinho. Se eu deixar de ser cafetina, vou fazer o quê na vida? Estou com oito garotas de programa trabalhando diariamente. Elas sabem que sozinhas não arranjam boa freguesia, eu tenho em minha caderneta uma lista de clientes, só figurão, guardo no maior segredo. Todo dia recebo cinco a seis chamadas desses amigos de muitos anos, comerciantes, deputados, coronéis, advogados, juízes, todos reconhecem meu trabalho, mercadoria de alta qualidade. Durante a campanha eleitoral ganhei muito dinheiro, trabalhei demais levando minhas meninas para tudo que era lugar, a qualquer hora, meu atendimento é o melhor, por isso me pagam bem.”
         -“Você tome cuidado com esse seu caderninho, com sua lista, Cida. Se a polícia pegar vai ser um escândalo. Ano passado nos Estados Unidos o prefeito de Nova York perdeu o mandato por causa de uma cafetina brasileira.”
          - “Oxente Paulinho, aqui no Brasil se denunciar um político por raparigagem, ele ganha é voto, o brasileiro gosta de sacanagem, os homens acham bacana, eles não gostam é de viado. Mas já tem tanto viado eleito. Eu estive no Rio de Janeiro me disseram que o prefeito de lá é boiola. Vamos dar um mergulho?”
              Ela tirou a saída de praia, seu corpo mesmo alquebrado pelas varizes ainda dá mostra do que foi quando jovem. Fiquei acompanhando o casal em direção ao mar. Não passou meia hora, voltaram para mesa. Cida espalhava creme no corpo quando apareceu uma bela garota, 20 aninhos, loura, magra, saia branca, blusa azul bem decotada, cochichou no ouvido da cafetina. Ela tirou um papel da bolsa escreveu algumas anotações, entregou à gostosa que saiu aos requebros mostrando o belo traseiro. Ouvi nitidamente Cida no celular.
              “- Deputado a Monique acabou de sair, dei o endereço, em meia hora chega. É das que você gosta. Tudo mesmo! Favor mandar por ela meus préstimos. Sempre às suas ordens”
                Cida fechou o celular, deu um sorriso para o coroa magro, alisou sua mão como se consolasse, falou carinhosamente.
        -“Meu querido Paulinho, jamais vou deixar minha profissão, sei que você fica chateado, é o irmão do coração. Quando papai descobriu eu ser garota de programa, houve aquele problema, saí de casa, só você, de meus três irmãos, me apoiou. Você tem todo carinho e o amor da irmã até morrer, mas não pense que deixarei essa vida, lhe peço: não me peça mais. Agora vamos tomar uísque, um porre nesse primeiro dia do ano.”
          -“Tudo bem minha irmã, se é esse o destino escolhido. Sou advogado, não dos melhores, meu emprego foi você que arranjou com o vereador, mas sei que prostituição é crime. Se um dia a polícia lhe pegar, por as mãos em sua lista, será um escândalo. Cuidado, por favor! E não se fala mais nisso. Vamos comemorar 2011.”
              Estava na minha hora de voltar ao apartamento. Caminhando devagar pela praia, pensava, divagava, especulava, quais seriam os amigos, os conhecidos, os sortudos, contemplados com o nome na lista da Cida.
       

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