Golbery Lessa
Para analisar a importância do Estaleiro EISA para o desenvolvimento de Alagoas, é necessário fazer um breve histórico da indústria estadual. Em 1920, Alagoas era o nono estado brasileiro mais industrializado. O setor têxtil dividia com as usinas a composição de mais de 90% dos PIB industrial. Entre 1940 e 1960, o estado esteve na décima segunda posição do mesmo ranking. A partir da decadência das fábricas de tecidos (nos anos 1960), do avanço dos canaviais sobre os tabuleiros e da exploração do sal-gema, as usinas de açúcar passaram a dividir com o setor químico a constituição do PIB Industrial. Em 1980, Alagoas caiu para o décimo sexto lugar do referido ranking, recuperando-se um pouco em 2000, quando estava em décimo quarto.
Com o fim da produção de tecidos, a indústria alagoana passou a lastrear-se apenas na exportação de produtos semi-elaborados (açúcar, álcool e derivados do sal-gema) cuja competitividade depende de recursos naturais e força de trabalho barata. As especificidades da agroindústria canavieira, principalmente a paralisação da sua parte industrial pela entressafra dos canaviais, seus salários irrisórios e sua necessidade imperiosa de exportar quase todo produto, fazem com que o setor não tenha capacidade de complexificar a industrialização alagoana. O setor químico local tem sua capacidade de dinamização diminuída por conta de uma estratégia de negócios baseada na exportação de matérias-primas e não de produtos com maior valor agregado, fato que o separa de qualquer círculo econômico virtuoso.
Portanto, Alagoas encontra-se reafirmando os defeitos (já diagnosticados pela tradição marxista brasileira desde Caio Parado Jr.) de um capitalismo atrasado, dependente, sem mercado interno, voltado para fora e socialmente desastroso. Para usar uma expressão da corrente neoclássica da ciência econômica (de matriz liberal) e, dessa maneira, facilitar o diálogo com vários setores sociais e técnicos que não partem dos meus pressupostos marxistas, poderia dizer que o estado tem sofrido de uma variante da chamada “doença holandesa”.
Nos anos 1960, o grande crescimento das exportações de gás da Holanda levou uma enxurrada de dólares para o país, valorizando tanto a moeda nacional que inviabilizou as exportações da indústria de transformação, causando um grave processo de involução industrial. Na medida em que Alagoas não é um país, aqui a “doença holandesa” não se realiza diretamente via apreciação da moeda, mas por meio do interesse exclusivo dos maiores investidores (locais, nacionais e internacionais) em inverterem seus capitais nos dois ramos que se baseiam em recurso naturais e força de trabalho barata: o canavieiro e o químico. O capital é um elemento mais líquido do que a água e sempre escorre pelo caminho mais fácil para si mesmo, pela via mais segura para a obtenção do lucro médio ou do lucro extra.
A concentração das inversões em empreendimentos “holandeses” acaba concentrando a infra-estrutura construída pelo poder público em volta desses setores, o que reforça a especialização da economia e o subdesenvolvimento do resto da indústria, constituindo um círculo vicioso que é ajudado pelo fato de que a Lei Kandir (1996) desonerou as exportações do mais importante imposto estadual. Esta lei robusteceu, no caso alagoano, a relação inversa entre o gasto público nos setores “holandeses” e o equilíbrio fiscal.
A implantação do Estaleiro EISA em Alagoas teria a positividade de quebra algumas dimensões básicas do circulo vicioso econômico apontado. O estaleiro teria a Petrobrás (uma das empresas mais sólidas do mundo e a quarta no seu ramo) com seu principal cliente e não basearia sua competitividade apenas ou principalmente em recursos naturais, força de trabalho barata e taxas de câmbio compensatórias. Seu objetivo básico não seria a exportação, mas o mercado interno e, notadamente, a demanda da União por equipamentos para a exploração do petróleo do pré-sal. A lucratividade do empreendimento não seria baseada na diferença entre dólar e real, mas na segura demanda estatal e em ganhos logísticos. Mesmo que se estabeleça um prazo de isenção de impostos estaduais, numa segunda etapa a empresa seria responsável por um grande aumento na arrecadação do ICMS, ajudando a superar um gargalo decisivo para a melhoria da ação do poder público. O estaleiro demandaria igualmente a implantação em Alagoas de centenas de empresas fornecedoras de bens industriais e serviços, que poderiam ser a base do surgimento de outros empreendimentos industriais de médio e grande porte.
A “favelização” apontada pelo apressado primeiro parecer do IBAMA não é um fenômeno necessariamente causado pela industrialização e nem sequer pela industrialização em economias atrasadas. As favelas ocorrem onde existem pelo menos quatro variáveis básicas: 1) uma industrialização sem taxa de aceleração capaz de absorver a população que emigra do mundo rural; 2) uma política agrária que não inibe a concentração fundiária e de renda no campo; 3) uma atitude corrupta dos poderes públicos diante da especulação com o solo urbano; e 4) a falta de recursos para o Estado aprovisionar as cidades da infra-estrutura necessária para uma boa moradia. A construção do Estaleiro EISA não seria uma panacéia, mas iria acelerar as taxas de crescimento econômico e diversificaria positivamente a indústria em Alagoas, ampliando o número de empregos, a renda média e o montante de impostos arrecadados. Do ponto de vista político e ideológico, criaria um pólo operário importante capaz de ser um contrapeso aos setores empresariais ainda muito presos a preconceitos de classe e ao exclusivismo político, ampliando a cultura democrática e fortalecendo a sociedade civil.
No passado, os alagoanos ajudaram a expulsar os holandeses do país, no presente, precisam expulsar a “doença holandesa” de sua indústria, em benefício de empresários e operários, de fazendeiros e camponeses, de empregados e desempregados, de incluídos e de excluídos, em benefício de uma “outra alagoanidade”, mas justa, democrática, republicana e plural.
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