terça-feira, 19 de março de 2013

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA


A Menina da Calcinha de Cachorrinhos Azuis


 
           
       Essa invenção dos judeus americanos, o Shopping Center, fez a civilização mudar de hábitos. Antigamente ir ao centro da cidade era um divertimento, um passeio, um pequeno programa, os jovens adoravam. Hoje só vou obrigatoriamente.
          Semana passada tive de ir ao Centro, resolvi dar uma volta, poucas lojas antigas, avistei a Pastelaria Danúbio, a primeira lanchonete da cidade, fundada pelo húngaro, Seu Guilherme. Alegrou meu espírito, meu estômago, minha saudade, o metabolismo do corpo em altas temperaturas.                Saboreei um divino sorvete de mangaba enquanto divagava sobre quem eram as pessoas anônimas caminhando na rua. Fiquei a apreciar os passantes pela porta envidraçada. Uma senhora gorda, de preto, andava devagar, de mão dada a uma criança de cabelos louros, devia ter cinco anos, chorava pedindo alguma coisa, a gorda negava com paciência puxando-a pela mão. Homens de terno, apressados, pareciam advogados ou corretores de imóveis, andavam para um lado, depois apareciam novamente parecendo serem as mesmas pessoas. Jovens bonitas davam graça, calças apertadas mostrando curvas, a sensualidade da barriga coberta por mini-blusas, inspirando fantasias na libido nos homens. Hoje as jovens se vestem com tamanha sensualidade que devia ser abolido o pecado do desejo. Será pecado desejar mulheres do próximo ou do distante em roupas provocantes?           Estava nesses devaneios quando ela apareceu. Devia ter 20 anos, jovem da classe média, porte elegante de dama, vestia uma mini-saia de entusiasmar eunuco. Entrou na sorveteria como rainha. Bolsa e jornal na mão. Por cima da mini-saia caía uma blusa azul com apenas uma manga, o ombro direito desnudado como se pedisse uma carícia. Rosto oval cobertos por cabelos negros, lisos, escorridos. Nariz afilado, perfil de deusa grega. Boca delirantemente encarnada, carnuda, dentes alvos e brilhantes. Das orelhas pendiam grandes argolas feito brincos. Senti ternura em seus olhos negros quando educadamente me encarou, deu boa tarde. A deusa foi ao balcão pediu uma taça de sorvete de pinha, retornou em direção à sua mesa.          Xangô, meu pai, ou outro santo meu protetor, a fez sentar-se em minha frente. Com delicadeza colocou a bolsa, o jornal e a taça de sorvete em cima da mesa, as pernas voltadas para meu lado. Sua pele branca rosada parecia porcelana, sem defeito. Iniciou o ritual degustando o sorvete, após a colherada devagar na boca, ela dava uma lambida com a língua carmim. Deu uma pausa ao sorvete, abriu o jornal, leu anúncios. Devia procurar emprego. Riscava o jornal, voltava a penetrar a colher de sorvete em sua boca. De repente cruzou as pernas. Tive um susto quando aconteceu aquele espetáculo de sensualidade. Não, ela não estava desprevenida como a Sharon Stone ou Luana Piovani, a doce menina vestia calcinha branca estampada. Apareceu nítida, identifiquei alguns cachorrinhos azuis na estamparia do tecido.
               Ela sentiu meu olhar impertinente, não deu importância, continuou em vários momentos o magnânimo gesto, cruzar as pernas. Voltou ao jornal, descruzou as pernas, as coxas ficaram abertas em minha direção. Balançava-as discretamente. Se não estivesse tão entretida lendo o jornal, eu seria capaz de jurar, ela abria as pernas propositalmente, uma provocação. Eu era o único ser vivo a assistir àquele espetáculo sensual. Cinema grátis, como nós chamávamos quando criança. Assisti maravilhado o desenho animado de cachorrinhos azuis. Esse ritual erótico continuou por mais meia hora, o meu sorvete acabou, fingi telefonar no celular, conversei com amigo imaginário enquanto imaginava o que havia mais acima. Ela riscava o jornal, me deixou riscando paredes.             Afinal, chegou o momento menos esperado. A moça, com elegância de rainha, levantou-se. Em pé arrumou o jornal, a bolsa, olhou para os lados. Sorriu-me discretamente. Saiu caminhando lépida e faceira rumo à Rua do Comércio. Fui até à porta, fiquei admirando seu andar, o doce balanço a caminho do nunca mais. Parecia a dona do mundo. De repente a surpresa, ao passar pela Igreja do Livramento, ela olhou para trás, me encarou como se tivesse certeza de eu estar ali. Deu-me um aceno com a mão e desapareceu entre os passantes. Foi a única e última vez que vi a menina da calcinha de cachorrinhos azuis.





Nenhum comentário:

Postar um comentário