As “peladas” do Hotel Atlântico:
- Um “racha” que, afinal, unia
HOTEL ATLÂNTICO, ANOS 40
Murillo Rocha Mendes
(Membro da Academia Alagoana de Cultura)
Ontem, sem que programasse, passei pela Avenida da Paz e não resisti diante
daquela que foi a mais bela de todas as nossas belas praias. Premido pelas boas
recordações suscitadas, resolvi descer do carro e percorrer, à beira d’água, o trecho em
que, na minha adolescência/juventude, quase que o habitava, pois que nele desfrutei o
melhor desse augusto tempo. Bem aventurado, foi exatamente ali que iniciei a
construção do amor da minha vida; amor sem fronteiras, verticalmente dado e recebido,
fértil e frutuoso, que nem a inclemência da morte foi capaz de minimizá-lo, ou de
extingui-lo.
Nele, senti-me, novamente, ávido de viver em plenitude; despertei, em mim, o
jovem sonhador e projetista que tudo podia... que muito queria. O fato é que revivi, em
intensidade e nesses breves instantes, no trecho que mediava os trapiches que não mais
existem e o então florescente Hotel Atlântico, um turbilhão de lembranças significativas
que, ainda, me animam e sustentam, e estimulam-me para o viver amplo.
Houve um tempo – bendito tempo – em que essa praia sediava, em todos os
domingos, em suas manhãs ensolaradas, uma das mais disputadas “peladas”
futebolísticas de nossas encantadoras orlas praieiras. O seu palco, frontal ao Hotel
Atlântico, tinha dimensões imensas e irregulares; era limitado pela maré, de um lado; do
outro, pelo capinzal rasteiro que, sutilmente, homiziava insuportáveis carrapichos. O
jogo era disputado, assim, em aplainadas e firmes areias trabalhadas pela maré, e nas
frouxas e cansativas areias brancas que guarneciam e ornamentavam o mar azul que se
descortinava ao fundo.
As equipes eram constituídas, sempre, através de chamada alternativa dos
presentes; realizada por dois dos seus mais inveterados habitués; quase sempre, Júlio
Normande e Betinho Perrelli. Iniciado o “racha”, ele só acabava depois de passado
o “meio dia”. Não havia árbitro. Faltas e “goals” eram confirmados e aceitos de modo
consensual; algumas vezes, no grito. Neste caso, nunca sem acirradas discussões que
eram aliviadas por piadas e chistes que arrefeciam os ímpetos e recompunham a
camaradagem.
Era jogo “pra valer”. Não obstante isso, os disputantes, arengueiros em sua
maioria, jamais saíram para a “via de fato”. As derrotas eram naturalmente assimiladas.
As discordâncias e o inconformismo dos derrotados eram domados pela esperança de
que o troco viria na próxima “domingueira”... e, isso bastava, era o suficiente para se
manter intacta a harmônica camaradagem. As discussões teimosas eram soterradas
pelas “tiradas” inteligentes; pelo caçoar oportuno; pelo humor inofensivo e bem
colocado, que temperava a doçura dessa convivência semanal, garantindo-lhe mansidão
e pacificidade.
O “racha” do Hotel Atlântico era convergência, união e respeito mútuo. Fez-se
em amizades inabaláveis que resistem e prevalecem até hoje; não foram afetadas pela
oxidação do tempo. Seus participantes, na realidade, concertaram uma franca
convivência que se mantém atual; sobremodo, como exemplo de coerência e de
valorização individual.
Antecipando-me em desculpas pelas prováveis omissões, exalto e nomeio, aqui,
os lembrados sujeitos ativos dessa eloqüente demonstração democrática; marcadamente
fraternal e igualitária: Júlio, Zeca e Henrique Normande; Zé e Mané Ramalho;
Fernando e Betinho Perrelli; Paulo Mendes; Gerson Omena; Joubert Scala; Rubinho
Mastigada; Vetinho e Claudinho Pacheco; Claudinho Ferrário; Pai Manu; Aroxellas;
Afrânio Montenegro; João Simões; Cleantho Rizzo; Luizito; Louvain Ayres; David;
Maso e Dirson; Napoleão Moura; Juvencinho Lessa; Zezé Barbeiro; Peitudo; Ascânio
Valença; Licito Cansanção; Eraldo; Aurélio Munt; Miguel Rosa; Tonico; Fernando e
Toinho Cotrin; Paulo, Maru, Guy e Mano Gomes de Barros; Elísio Aguiar; Zirreli;
Eduardo Jorge; Pedro Galinha...
Salve, pois, o futebol praieiro do Hotel Atlântico, por tudo que ele pôde oferecer
e edificar.