quarta-feira, 29 de abril de 2020

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA


MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (9)
Acordei-me com o som cadenciado e harmonioso da alvorada tocada pelo corneteiro. Amanhecia o dia 1º de abril de 1964, eu tenente do Exército Brasileiro, dormia no quartel na 2ª Companhia de Guardas, tropa de elite do IV Exército, altamente treinada contra distúrbio e guerrilha urbana, sediada na Avenida Visconde de Suassuna, Centro do Recife. Uma luminosa manhã acordava a bela histórica cidade mauriciana. A Companhia estava de prontidão há mais de uma semana, sem algum militar sair do quartel devido aos acontecimentos políticos da época. O presidente João Goulart acendia uma vela a Deus outra ao Diabo (disse Julião). O processo de desgaste político do presidente espalhou-se sobre a Nação. Jango pensava ter um esquema militar forte comandado pelo General Assis Brasil, inclusive o General Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, jurou de pés juntos a Arraes que defenderia a legalidade. Quando a conjuntura mudou, ele também mudou. A situação ficou mais nebulosa depois do grande comício das reformas em frente ao Ministério do Exército, dia 13 de março, com muitos discursos provocativos às Forças Armadas. Jango estava cutucando a onça com vara curta. As informações que nos chegavam era que Jango daria um golpe transformando o Brasil numa República Socialista Sindicalista.
Naquela bela manhã logo depois da formatura matinal, o capitão Luís Henrique Maia reuniu os cinco tenentes comandantes de pelotão, fez uma preleção.
- Chegaram informações que a tropa do general Mourão Filho de Minas Gerais estava a caminho do Rio de Janeiro para levantar o I Exército, e depor o presidente João Goulart. O General Assis Brasil deu ordens para uma tropa sediada no Rio marchar de encontro e deter a tropa do General Mourão, acontece que a tropa do Rio aderiu e se juntou à tropa do General Mourão, que ruma ao Rio De Janeiro. O objetivo da intervenção militar será restabelecer a ordem no país, garantir a eleição para presidente em 1965 e evitar um golpe do presidente João Goulart estabelecendo um regime socialista.
O capitão Maia mandou preparar o pelotão para o enfrentamento, entrar em combate urbano a qualquer momento. Informavam que tropas do Estado do Governador Miguel Arraes estavam altamente armadas e bem preparadas por guerrilheiros cubanos e chineses.
Dirigi-me ao alojamento de meu pelotão, com a cabeça a mil, sabia que haveria uma confrontação naquelas próximas horas. Ainda estava em divagações quando o comandante me chamou e deu as primeiras ordens: Dissolver uma manifestação no Sindicado dos Bancários, ficava distante cinco ou seis quilômetros. Ordenei ao pelotão entrar em forma, passei em revista o armamento e equipamento, falei aos sargentos e soldados sobre a missão, deixei bem esclarecido: atirar só com minha ordem. O pelotão tomou a rua, formação em cunha. Enquanto aqueles 44 soldados bem armados e equipados avançavam pelas ruas arborizadas, ouvi vaias e palmas, era o povo dividido. Enquanto o pelotão se aproximava do objetivo, eu continha a emoção, pensando nas informações que os sindicalistas, os camponeses, os homens de Arraes junto à Julião e Gregório Bezerra tinham sido treinados em guerrilha e possuíam armamento de primeira linha. Assim que avistei ao longe a multidão em torno de 400 pessoas, tive de controlar um sargento que me pedia para dar um tiro para o alto a fim de dispersar a multidão. Mandei o sargento se aquietar, lembrei que o comando era meu exclusivo. Não queria que houvesse uma reação por parte dos manifestantes e terminar numa carnificina de balas dos dois lados. Tentaria um diálogo, se possível. O pelotão se aproximou, dava para ver as fisionomias dos manifestantes, o sargento insistindo, me pedindo para atirar; eu reprendi, NÃO ATIRE!. Chegando mais perto, gritei a voz de comando ao pelotão “Acelerado marche!”. Os soldados passaram da marcha comum ao acelerado, correndo em passos curtos, o que se ouviu um barulho assustador do coturno batendo forte no chão. De repente tive a maior alegria, o maior alívio de minha vida ao perceber a multidão dispersando-se em todas as direções. Invadimos o sindicato, ficaram apenas três manifestantes. Pedi para eles saírem ou teria que levá-los presos, era a ordem. Apenas um barbudo, corajoso, magro, me encarou: “Só saio morto ou preso”. Disse-lhe “Como não vou lhe matar, esteja preso”. Fiz uma revista geral na sede do sindicato, mandei lacrar os móveis, deixei cinco soldados guarnecendo o sindicato, retornei com o resto do pelotão para o quartel da 2ª Cia de Guardas.
O pelotão marchando mais relaxado em duas colunas, uma de cada lado da rua, e o barbudo, sindicalista, andando no meio sozinho. Achei constrangedor, tive pena. Encostei-me e inventei na hora em seu ouvido: “Estão matando tudo que é comunista, como Fidel Castro fez em Cuba no Paredón, ao chegar ao quartel você vai ser fuzilado. Vou lhe dar uma chance, na próxima esquina lhe empurro e você sai correndo!”. O sindicalista olhou para mim, espantado. Perto da esquina, o barbudo, olhava para trás encarando-me com olhar suplicante. Na esquina, puxei-o pelo braço e o empurrei. Ele deu um pique, se escafedeu na primeira rua (ainda hoje deve estar correndo).
Durante o percurso de retorno, de cima dos apartamentos, alguns aplaudiam outros vaiavam. Ao passarmos pela Faculdade de Engenharia, alguns estudantes gritavam provocando: “Viva Arraes!” O sargento me incitava a dissolver os estudantes. Eu neguei, confesso, pensando em meu irmão Lelé, poderia estar entre os estudantes (e não é que estava! Eu soube depois).
No quartel fiz um relatório verbal. Nesse dia ainda cumpri outras missões patrulhando o Recife Velho. À noite, a televisão chamava de Intervenção Militar. Não havia aparecido o termo Revolução, nem Ditadura. Nenhum cientista político, nenhum futurista, nenhum especialista, para usar um termo moderno, seria capaz de imaginar que aquele 1º de abril seria o primeiro dia de Governo Militar ou Ditadura durante os próximos anos. Só sei que foi assim, sem tirar, nem pôr.
(ilustração de Ênio Lins)
ESTA SÉRIE “MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO” SERÁ PARTE DE UM LIVRO DE MEMÓRIA EM COMEMORAÇÃO AOS 80 ANOS DO AUTOR. AGUARDEM DEZEMBRO ( SEM CORONAVÍRUS)
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terça-feira, 28 de abril de 2020

OPINIÃO DO GUILHERME FIÚZA


"SOLIDADIEDADE PELA CULTURA"
Por Guilherme Fiuza


A cantora Lady Gaga fez uma parceria com a Organização Mundial da Saúde para a realização de um show virtual com o slogan "Juntos em casa". Foi uma ação para reforçar a mensagem do isolamento social e para arrecadar fundos para populações carentes atingidas pela epidemia. Na véspera do seu agradecimento à cantora pela iniciativa, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, afirmou que o isolamento social total (horizontal) é uma medida que não serve necessariamente para todas as regiões do mundo.
A OMS nunca tinha sido tão explícita na relativização do lockdown. Algumas semanas antes, Tedros fizera referência aos problemas da medida para os que precisam circular diariamente para cavar sua subsistência. Os defensores de medidas de circulação controlada – lockdown vertical – citaram a fala do diretor da OMS para reforçar seus argumentos, mas a entidade desautorizou essa interpretação – indicando que o problema dos trabalhadores informais deveria ser compensado emergencialmente pelos governos.
O novo "statement" de Tedros Adhanom sobre o assunto, porém, veio modificar a diretriz do isolamento social em favor da sua flexibilização – e dessa vez a entidade não desautorizou os entendimentos nesse sentido. Ou seja: a OMS agora afirma que o distanciamento total não é a medida recomendável para todas as regiões – devendo ser flexível naquelas (especialmente nos países emergentes) onde, por exemplo, crianças e adolescentes ficarão sem sua refeição diária se não puderem ir à escola. Ou onde haja um contingente significativo de pessoas dependentes de circulação física para obter o seu "pão diário" (palavras de Tedros).
As ressalvas ao lockdown estão, naturalmente, inseridas no contexto das medidas de higiene e distanciamento pessoal, não aglomeração e isolamento dos grupos de risco – essas incondicionais e intocáveis. Ou seja: dependendo das condições sociais e da evolução local da epidemia, a OMS diz que o confinamento não só pode como deve ser parcial.
Até recentemente, quem propusesse esse tipo de flexibilização do confinamento tendia a ser tratado como inconsequente, no mínimo. Em boa medida ainda tem sido assim. Pode-se dizer que o tabu em torno do "fique em casa" radical e inegociável provém da própria postura anterior da OMS – cuja mensagem estabelecia o lockdown total como a única diretriz cientificamente responsável. Esse rigor absoluto foi sedimentado com a adesão das populações assustadas – e, portanto, determinadas à tolerância zero com riscos – e também de governantes locais, divididos entre os realmente comprometidos com a segurança da população e os que viram aí uma oportunidade de exercício autoritário do poder (e, eventualmente, de manipulação orçamentária).
O show de Lady Gaga e outras celebridades (como qualquer evento desse tipo) reforçou uma única mensagem, que é a do "fique em casa" – naturalmente sem espaço para esclarecer a flexibilização proposta pela OMS. Essa flexibilização é necessária justamente para as populações socialmente vulneráveis – aquelas às quais a campanha dos artistas pretende ajudar. Ou seja: a boa arrecadação do evento "Juntos em casa" possivelmente não irá suprir nem uma fração das perdas provocadas pelo confinamento total (e a decorrente asfixia social) que o show ajudou a perpetuar.
Guilherme Fiuza"
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sexta-feira, 24 de abril de 2020

quinta-feira, 23 de abril de 2020

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA


                                     MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO (8)
                               GUILHERME PALMEIRA



        Somos amigos há muitos anos, nossos pais eram amigos, nossos avós e bisavós, somos amigos desde quando éramos índios caetés povoando o litoral alagoano. Quando eu morava no Rio nos anos 50, vez em quando ia à casa de Guilherme Palmeira na Rua Almirante Guilhobel. Depois de um bom almoço dominical, partíamos para o Maracanã assistir vitórias do Fluminense.
     As férias de verão em Maceió eram maravilhosamente aproveitadas: praia da Avenida, Pajuçara, réveillon da Fênix, carnaval nas ruas e nos clubes. Bela época dos anos dourados, vivíamos nossa cultura popular, época do cinema novo, da bossa nova. Revolução dos costumes, queríamos também transformar o mundo, como qualquer jovem.
   Certa vez no Engenho Prata, São Miguel dos Campos, em conversas e cervejinha gelada, Guilherme Palmeira comunicou ser candidato a deputado estadual nas eleições de 1966, alegria geral. Dias depois Esdras Gomes distribuía adesivos, GP 66. Foi uma vitória retumbante, iniciava naquele momento uma carreira política das mais admiráveis na história das Alagoas.
  No final de 1967 eu servia na 9ª Companhia de Fronteira, Roraima, fui promovido a Capitão e transferido para 20º Batalhão de Caçadores em Maceió. Ao chegar em casa pela  tarde, coloquei um calção desci à praia da Avenida, depois de um bom mergulho e braçadas naquele mar azul do tamanho do mundo, fiz uma promessa, nunca mais sair de Maceió. Cursei engenharia, deixei a carreira militar e cumpri a promessa.
 Naquela época Maceió era uma festa, tempo bom de viver na cidade amada, ensolarada Muitos amigos, muito calor humano, juventude sadia. Formamos um quinteto inseparável: Guilherme Palmeira, Marden Bentes, Eduardo Uchoa e Galba Acioly, solteiros e bonitos, fazíamos a festa aonde chegássemos. Éramos conhecidos entre as melhores famílias, entre as jovens deslumbrantes, como também nos bares e lugares não compatíveis às moças casadoiras. Convidados para batizados, casamentos, aniversários, alegrávamos as noites com bom humor e fidalguia. Jovens boêmios, considerados bons partidos, custamos a casar.
  Acompanhei a vida política de Guilherme Palmeira: deputado, governador, senador, prefeito de Maceió. Finalmente Ministro do Tribunal de Contas da União, aposentado se estabeleceu em Brasília, nunca esqueceu sua querida Alagoas. Vez em quando às sextas feiras reúne amigos na varanda do apartamento, praia da Ponta Verde para conversas e uma rodada de uísque.
Em 1988 houve eleição para prefeito de Maceió. Renan Calheiros candidatou-se tendo como vice o deputado Sabino Romariz, o mais votado na Assembleia, era uma chapa imbatível Nas pesquisas o IBOPE lá em cima. Como enfrentar o Renan? Em uma reunião da oposição, Benedito de Lira deu a sugestão: Guilherme Palmeira para prefeito e João Sampaio, vice. Fiz parte da coordenação de campanha. Fomos à rua, Guilherme visitou toda biboca de Maceió, chegávamos tarde às nossas casas. Afinal o dia da eleição, logo depois a apuração na mão, voto a voto, disputa acirrada. Final maior vibração. Guilherme ganhou por 6.845 votos Fomos para Avenida da Paz comemorar a vitória com uma passeata inesquecível
Guilherme prefeito, eu assumi uma Diretoria da Limpeza Urbana depois fui Secretário de Desenvolvimento Urbano. Travamos campanha e briga contra qualquer tipo de poluição. Descobri que era proibido colocar qualquer tipo de placa ou outdoor na ladeira da antiga rodoviária, anunciei que ia derrubar todas as placas e outdoors. Na véspera, ao término do expediente, recebi um telefonema de um advogado avisando que no dia seguinte ele daria entrada com uma liminar de um juiz na Secretaria cancelando a derrubada dos outdoors. Fiquei a pensar sozinho em meu gabinete. Tomei a decisão, convoquei os funcionários, fiscais, caminhão, para sairmos às seis da manhã, antecipei, derrubamos todos outdoors. Foi lindo aparecer uma mata verde exuberante que estava escondida. A liminar chegou às minhas mãos no local às nove da manhã, a derrubada já havia acontecido. O juiz mandou me prender. Eu me escondi em uma casa em Paripueira. Guilherme tomou as dores, assumiu ter ordenado aquela ação. Só não fui preso devido ao pulso firme de Guilherme e a competência do advogado Diógenes Tenório de Albuquerque em minha defesa. Lembrei esse fato mostrando a firmeza de caráter, honestidade, amor à sua terra, sapiência e liderança de Guilherme Palmeira, o melhor prefeito da história de Maceió. Desculpe o Rui. Hoje Guilherme vive cercado de amigos que o admiram. Ele orgulhoso do filho, Rui Palmeira, seu herdeiro político na decência e no amor à Maceió.

OBS – Esta série de artigos: “MEMÓRIAS DE UM OITENTÃO”, será um livro em comemoração aos 80 anos do autor neste 2020.
 

terça-feira, 21 de abril de 2020

SAUDADES DE DOIS MESES ATRÁS QUANDO TUDO ERA CARNAVAL


NINA, ESTAGIÁRIA DO BLOG - EM ISOLAMENTO SOCIAL ESPERANDO PARA TRABALHAR NA REDAÇÃO.


OPINÃO DO BERTOLUCI

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS


PANDEMIA DE ASNEIRAS

Esse será meu último pitaco sobre esta história de corona vírus. Não tenho mais paciência para um assunto que parece ter transformado toda a humanidade em animais irracionais. Vide o caso abaixo:
“Trata-se de um conflito de valores constitucionais, mas o valor da saúde pública prevalece sobre o direito de ir e vir se o isolamento temporário constitui para os organismos nacionais e internacionais medida essencial para a defesa do interesse geral de proteção da população. A medida visa não a limitar a liberdade, mas a proliferação da doença — e, assim, a medida é em favor de quem é restringido no seu direito de sair de casa. Neste caso, o interesse público se sobrepõe.”
Trata-se de declaração de Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça. Minhas opiniões a respeito são:
– Nossa constituição tem um monte de “valores” e “princípios”, mas “saúde pública” não está entre eles, muito menos acima dos direitos fundamentais.
– O objetivo dos direitos fundamentais estarem explicitados é justamente colocá-los acima de circunstâncias momentâneas e de decisões oportunistas de autoridades.
– Aliás, desde quando “organismos internacionais” são autoridade para declarar nulos os direitos constitucionais dos brasileiros? O Brasil deixou de ser um país soberano e eu não fiquei sabendo?
– Reale Jr. deveria ter vergonha de usar a velha desculpa do “estamos restringindo o direito do cidadão, mas é para o seu bem”. Logo adiante ele se contradiz: “o interesse público se sobrepõe.” Ué, mas os direitos constitucionais não existem justamente para garantir que os direitos do indivíduo não sejam esmagados pelos direitos da maioria?
Talvez alguns me chamem de chato. Talvez alguns engulam calados a idéia de que estamos em uma situação “especial” e que em situações especiais o governo pode tomar atitudes especiais. O problema é que o governo pode gostar da brincadeira e começar a criar situações especiais sempre que der vontade de fazer coisas especiais, e aí o negócio fica feio.
Fico imaginando algumas paráfrases para as declarações do ministro, seguindo a mesma lógica:
Se o governo está sem dinheiro:
“o valor do equilíbrio orçamentário prevalece sobre o direito à propriedade se o confisco de bens constitui para os organismos nacionais e internacionais medida essencial para a defesa do interesse geral da população.”
Se o crime aumentou:
“o valor da segurança pública prevalece sobre o direito ao devido processo legal se o julgamento sumário constitui para os organismos nacionais e internacionais medida essencial para a defesa do interesse geral da população.”
Se o crime continuou aumentando:
“o valor da ordem pública prevalece sobre o direito à vida se o linchamento coletivo constitui para os organismos nacionais e internacionais medida essencial para a defesa do interesse geral da população”.
Para quem não entendeu: segundo o doutor Reale, se “organismos nacionais e internacionais” (que ele nem diz quais são) acham que uma certa medida autoritária é “essencial”, danem-se os direitos individuais assegurados na constituição. Cuidado: a próxima vítima da bondade do governo pode ser você.

SPONHOLZ


OPINIÃO DO PERCIVAL

PERCIVAL PUGGINA


AFINAL, QUEM É GOLPISTA?

Perderam a eleição para Bolsonaro porque preferiram atacá-lo em vez de se perguntarem por que o povo o seguia. Agora, pelo mesmo motivo, caçam fantasmas e conspiram contra ele.
No noticiário desta manhã de segunda-feira, alguns veículos se desencaminharam e noticiariam sobre as carreatas ocorridas ontem em inúmeras cidades do país, descrevendo-as como “de apoio ao presidente”, “a favor do fim do isolamento”, “contra Rodrigo Maia”, “contra João Dória”. No entanto, para os grandes noticiosos da noite de domingo o que importava era exibir cartazes com que manifestantes pediram intervenção militar e lançaram maldições, anátemas e imprecações contra o Congresso e o STF. A cereja do bolo, porém, era o presidente da República falando a um grupo de intervencionistas. O G1 (Globo) reproduziu uma seleção de frases então proferidas pelo Presidente. O que disse ele?
“Todos no Brasil têm que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro. Tenho certeza, todos nós juramos um dia dar a vida pela pátria. E vamos fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil. Chega da velha política”, afirmou.
Bolsonaro falou aos manifestantes que podem contar com ele “para fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado entre nós, que é a nossa liberdade”.
Arrepiaram-se, fingidos, os barões assinalados. Era preciso induzir a população a temer o autor de frases tão simples e o perigo representado por não se sabe bem o quê. Então, acusaram-no de tossir uma vez e não fazê-lo sobre o cotovelo… Desabituados a usar palavras que expressem pensamentos reais, viciados com bastidores, useiros de conchavos e conspirações, grandes autoridades da República medem o presidente com sua própria escala. Não funciona.
Li hoje um artigo em que o autor, advogado e empresário Luiz Carlos Nemetz faz a seguinte resenha de patranhas belicosas do Congresso pilotado por Maia e Alcolumbre contra o presidente.
Deixou caducar as medidas provisórias do 13º do bolsa família, da carteira estudantil, da revogação do imposto sindical, da publicação de balanços; desfigurou completamente o pacote anticrime e de combate à corrupção; enfraqueceu a operação lava-jato com a lei de abuso de autoridade; articulou o aumento do fundo partidário e impediu seu uso para combate à COVID-19; aprovou o orçamento impositivo; não põe em pauta o marco do saneamento de gastos, da PEC emergencial 186/19 e do pacto federativo; junto com o Senado não vota a prisão em segunda instância dando chances para que a nata da aristocracia medieval corrupta não seja investigada, nem punida e, mesmo quando condenada, saia às ruas e goze a vida com os bilhões que roubaram.
Agora, neste exato momento, articula com os seus, a completa desfiguração do Plano Mansueto, que é um programa de acompanhamento e equilíbrio fiscal, que, em síntese, visa ofertar aos Estados uma solução para que consigam equilibrar suas folhas de pagamento e quitem suas despesas mais urgentes.
É estarrecedor que uma suposta elite dos poderes Legislativo e Judiciário tenha desvirtuado de tal modo sua percepção sobre a finalidade do poder que exercem! Nada aprendem das manifestações da opinião pública que com exaustiva frequência superlota ruas e avenidas por não encontrar outro canal de expressão.
Com mais sensatez e menos presunção, com mais senso de responsabilidade e menos vaidade, com mais amor à pátria e menos amor próprio, haveriam de chegar às câmeras de TV e às páginas de jornal para refletir sobre a estupidez de nossas instituições e sobre as razões de seu próprio descrédito junto à sociedade. Desapreço, aliás, que cresce a ponto de muitos ansiarem por uma ditadura.
Não temam, senhores, por uma ditadura de Bolsonaro. Temam, antes, as consequências de sua ambição, de seus conchavos, de sua fatuidade e de seu desprezo aos cidadãos.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

OPINIÃO DO GUZZO

J.R.GUZZO



OPÇÃO PELA VIDA

Ninguém nunca imaginou uma coisa dessas, nem poderia mesmo imaginar, mas aí está: a epidemia trazida pelo coronavírus revelou uma súbita paixão das autoridades, políticos e elites pela solução dos problemas de saúde pública no Brasil. Saúde pública, para encurtar a conversa, significa uma coisa só: doença de pobre. E por que os barões que decidem as coisas neste país iriam se preocupar com dores que não doem neles? Para essa gente, saúde significa planos médicos cinco estrelas, cobertos pelo dinheiro que você paga de impostos, doutores que cobram acima de R$ 1 mil a consulta e transporte de helicóptero para os hospitais mais caros do Brasil. São até capazes, de vez em quando, de fazer algum discurso piedoso sobre o assunto. Mas as suas lágrimas secam bem depressa.
O desprezo pela saúde por parte dos governantes brasileiros é uma questão de fatos que estão acima de dúvida; não pode ser disfarçado por nenhuma devoção repentina “pela vida”, como eles descobriram em sua cruzada contra a covid-19. Vamos aos testes práticos. Em pleno ano de 2020, cerca de 50% da população brasileira continua sem ter saneamento básico. A culpa disso não é dos marcianos. É dos que governam o Brasil, em todos os níveis – e de mais ninguém, pois só eles têm a autorização legal para agir na área. Político brasileiro, como se sabe, tem horror a fazer esgoto: é obra que fica embaixo da terra, que ninguém vê e que não rende voto.
O pior é que eles não resolvem e não deixam ninguém resolver. Jaz há mais de um ano no Congresso, sendo pouco a pouco desfigurada, a nova Lei do Saneamento Básico que abre o setor à iniciativa privada. Por que não anda? Porque governadores e prefeitos detestam a ideia – querem manter vivos, pelo máximo de tempo possível, os atuais “contratos” com as estatais que nada fazem para melhorar aqueles horrendos 50%, mas são um dos seus mais queridos cabides de emprego e focos de influência política. A desgraça não é apenas a falta de esgotos. Continuam operando no Brasil cerca de 3 mil “lixões” ao ar livre. Por lei, já deveriam estar fechados há quatro anos; a lei “não pegou”. Como acreditar, diante desses monumentos em honra à doença, em qualquer governante brasileiro que agora faz discurso em defesa da “saúde pública”?
São Paulo, a maior cidade do Brasil, é atravessada ao longo de 25 quilômetros por dois dos mais infames esgotos a céu aberto do mundo, o Rio Tietê e o Canal do Pinheiros. Mananciais de água que abastecem o município estão poluídos por favelas que se instalaram às suas margens, há anos, com a cumplicidade direta da Prefeitura. As autoridades não tocam na Cracolândia do centro da cidade, um dos mais violentos focos de tuberculose do Brasil – ao contrário, chegaram a dar mesada para os drogados que vivem ali, e qualquer tentativa de intervir na área é denunciada como ato de “higienização” (a palavra “higiene” tem sentido pejorativo no mundo oficial – a menos quando aconselham as pessoas a lavar as mãos em época de epidemia).
“Opção pela vida”? Na favela de Paraisópolis, para a qual ninguém dá cinco minutos de atenção sincera, há 45.000 pessoas por quilômetro quadrado – em Taboão da Serra, que tem a maior densidade demográfica do Brasil, são 14.000 e na cidade de São Paulo, cerca de 7.500. Como é possível pensar em saúde pública quando os que mandam e influem são indiferentes à uma usina de doenças igual à essa? Como exigir “distanciamento social” num lugar como Paraisópolis?
O Brasil só descobriu que é preciso cuidar da saúde pública quando o coronavírus chegou à classe média e aos ricos. Vai esquecer isso assim que a tragédia passar.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

OPINIÃO DO GUZZO

J.R.GUZZO


O QUE O BRASILEIRO MAIS QUER É QUE A COVID-19 VÁ EMBORA

Lá se foi, enfim, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O que estava fazendo ainda no cargo é coisa que não sabe; há semanas ele vive em conflito aberto com o presidente Jair Bolsonaro, e em regime presidencial ministro não pode fazer isso, e nem o presidente pode aceitar que faça. Fim da linha, portanto.
A demora de duas ou três semanas na demissão se deve, provavelmente, à dificuldade natural de se encontrar um ministro da Saúde à esta altura dos acontecimentos, com o coronavírus deitando e rolando, os meios de comunicação anunciando “mais tantos mortos” hoje e a população, em grande parte, tomada por um medo de morrer que nunca havia se manifestado desta forma até hoje. Quem quer segurar esse rojão? Mas ministério, por natureza, nunca fica vazio. A pergunta é: o sucessor vai ser melhor que o antecessor?
Essa é, no fundo, a única questão que interessa a população. Como em geral acontece em trocas de ministro, o cidadão não está muito preocupado com esse ou aquele nome – não é como num time de futebol, onde cada torcedor tem o seu preferido para centroavante ou lateral direito.
Na verdade, o público não tem a menor ideia de quem são os doutores que estão nas manchetes; nunca soube quem foi esse Mandetta, nem quem é Nelson Teich, seu sucessor, e amanhã já terá esquecido de ambos. O que a população quer, mais que já quis qualquer outra coisa nos últimos anos, é que a peste vá embora. Com A, B ou C no ministério, tanto faz: quem tem de ir embora é o vírus.
Parece fútil, assim, ficar tentando adivinhar se o governo “ganha” ou “perde” politicamente no episódio, pois o que importa é como vai ser a evolução da epidemia. Também não se vai longe com essas dúvidas quando se leva em conta que não havia outra decisão possível, na vida real do aqui e do agora, do que demitir o ministro; não dava para continuar vendo os dois, Bolsonaro e Mandetta, discutindo em público todo o dia diante de uma calamidade dessas.
Ou o presidente e o seu ministro tem a mesmíssima posição sobre como enfrentar o problema, ou um dos dois tem de ir embora. O presidente só pode ir em 2022; então tem de sair quem pode ir já.
Mandetta, segundo a maioria dos julgamentos, parece ter ido bem no começo da crise. Foi elogiado, em geral, por aliados e adversários do governo. Fez, tanto quanto se saiba, o que um ministro podia fazer quando a epidemia chegou ao Brasil. Buscou um equilíbrio entre a turma do “fecha tudo” e a turma da “gripezinha”. Não se afobou, nem inventou moda e nem se inscreveu num dos dois partidos políticos que funcionam hoje no Brasil – o PPV e o PCV, o Partido Pró Vírus, ou “da oposição”, e o Partido Contra o Vírus, ou “do governo”.
O problema é que não deu para continuar nessa trilha. O vírus cresceu, ficou mais forte que a prudência, passou por cima da habilidade, moderação e outras virtudes semelhantes e levou o ministro, inevitavelmente, a pender mais para um lado. O presidente da República, por sua vez, pendeu para o outro. Deu nisso.
É pouco provável, no ambiente de desordem legal, de partidarismo e de interesses criado no Brasil por conta da Covid-19, que alguma autoridade, em qualquer nível, seja capaz de exercer um papel realmente decisivo no combate à doença. Dentro de mais algumas semanas vai se ver, na prática, se a situação está piorando, parou de piorar ou começou a melhorar – não há outra possibilidade.
Nos “cenários” benignos, os dois lados vão dizer que estavam com a razão: “Ganhamos do vírus”. No cenário do horror, um jogará a culpa no outro, e nenhum dos dois vai ganhar nada.