CACÁ
DIEGUES - VIDA DE CINEMA
Tivemos
uma infância iluminada, livre, leve e solta, na areia branca, na água azul turquesa,
matizes verdes, cor única do mar da praia da Avenida da Paz. Jogando pelada, ou
zorra, na praia, só terminava a partida ao entardecer, às vezes, com o "Gol
da Lua", o primeiro gol depois da Lua surgir, cor de prata. À noite o
calçadão da Avenida se prestava às nossas brincadeiras, bicicleta, patins, roubar
bandeira, gata parida, os meninos da Avenida se divertiam. Cacá escreveu na pg.
33: "...verão de Maceió, o paraíso
da praia e da festa, da pelada na areia que meus parceiros locais chamavam de
"zorra", do circo da Praça Sinimbu, da torcida do CRB...da pesca de
siri no rio Salgadinho com Carlito Lima ( amigo de infância cujos afeto,
talento e inteligência cultivo até hoje), dos passeios da canoas pelas lagoas,
uma Veneza selvagem formada por canais que ligam a Mundaú à Manguaba, com infindáveis
coqueirais a margear ilhas e coroas ( que mais tarde eu filmaria em Joana
Francesa), indo terminar na beleza colonial de Marechal Deodoro, antiga cidade
das Alagoas, primeira capital do estado..., segunda feira à noite, ainda havia
a sessão de cinema no Clube Fênix Alagoana...
Foi ali, no pequeno coreto da Avenida da Paz, que dei o meu primeiro
beijo numa menina cujo nome não guardei ( o amor pode ser muito cruel)."
Cacá
já morava no Rio de Janeiro, seu irmão Fernando Manoel entrou na Escola de Marinha
( chegou a Almirante), eu na Escola Preparatória de Cadetes do Exército e Cacá
desde a adolescência só pensava em cinema. Sua casa no Rio, era a Embaixada das
Alagoas, Dona Zaira e Dr. Manelito tinham prazer em receber alagoanos. Enquanto
cursei a Academia Militar das Agulhas Negras em Resende, fui poucas vezes à
casa de Cacá em Botafogo. Depois nos dispersamos, nos encontrando, às vezes,
com intervalo de anos.
Certa
tarde passei por um cinema em Salvador, em cartaz o filme Ganga Zumba, de Cacá
Diegues, dei um grito de alegria como se fosse um gol do Fluminense, ninguém
entendeu minha zoada espontânea, solitária, na porta do cinema. Assisti
entusiasmado o primeiro longa metragem de meu amigo com maior orgulho, devia
ter pouco mais de 20 anos. Sou cinéfilo compulsivo, nunca perdi um filme de Cacá, o mais negro dos cineastas
brasileiros.
Certa
vez Cacá foi filmar em Alagoas, "Joanna Francesa" , nessa época eu havia
deixado o Exército, edificava e vendia loteamento. Aproveitando a passagem, dei um lote (de boca) para Cacá num loteamento
na belíssima praia de Barra de São Miguel, ele recebeu o carinho com emoção.
Passaram-se alguns anos, resolvi aumentar minha casa de praia com um espaçoso terraço,
invadi o lote do Cacá, também, ele há mais de 4 anos não aparecia, não escrevia.
Certa tarde depois do almoço, de bons uísques, dormindo na rede do terraço,
acordaram-me balançando, ao ver Cacá, Ricardo Braga e Danuza Leão, me enchi de
alegria e abraços. Ele logo perguntou pelo seu lote, eu apontei para o chão respondendo:
"É esse!". Minha casa de praia tem sócio famoso.
Nos anos 80 Cacá veio dar palestra em
Maceió, à noite saímos, levei-o ao Bye Bar Brasil, da querida amiga Paulinha,
sentamos à mesa, juntamente com MIlton Pradines, Vera Arruda, Elinaldo Barros;
noite divertida, quando Paulinha se achegou, Cacá seriamente cobrou direito
autoral, o nome do bar lhe pertencia , registro do filme "Bye, Bye,
Brasil", o advogado Guilherme Braga iria procurá-la para negociar o
pagamento. Paulinha perdeu a graça e o sorriso bonito. Certa hora fui ao
banheiro, ela chorando falou comigo, iria falir. Sorrindo, contei a história na
mesa, Cacá a chamou, propôs, com um sorriso maroto: "Não quero dinheiro, você vai pagar meu direito autoral em chope,
o consumo do Carlito nesse ano".
Ao perceber a brincadeira, ela respondeu
aliviada, feliz: "Eu prefiro pagar
em dinheiro, sai mais barato".
Li
as 678 páginas do livro em um fim de semana, não consegui sair de casa, a
autobiografia de Cacá se confunde com a história do cinema brasileiro, com a
história recente do país; é uma linda e escancarada declaração de amor ao
cinema, ao Brasil, e à sua amada Renata. Imperdível, leitura obrigatória para
todas gerações.
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