NO TEMPO DAS GARAÇUMAS
Avenida da Paz
Fim
da 1ª Guerra Mundial, 1918, Maceió ouve no rádio a capitulação dos alemães, o
então Prefeito da cidade conclama a população para comemorar a paz na praia do
Aterro. Bebidas e fogos rolando, Alagoas não foi à Guerra mas comemorou a paz
com uma semana de festa, carnaval e desfile. Discursando entre emocionado e
bêbado, o Prefeito prometeu construir ali na praia do Aterro uma Avenida, daria
o nome de Avenida da Paz.
Para puxar o saco dos militares na
Revolução de 30, mudaram o nome para Avenida Duque de Caxias. Por muitos anos o
povo continuou chamando de Avenida da Paz. Até que em 1991, o então vereador,
homem de cultura e visão, jornalista Ênio Lins, solicitou a mudança definitiva
para o nome original de Avenida da Paz. Se Deus e os homens de juízo quiserem o
nome não mudará.
Avenida da Paz de minha juventude, areia
branca da praia limpa e o verde azulado do mar. Bicicleta, patins, brincadeiras
de rouba-bandeira e gata-parida nos bancos da praça empurrando os meninos vizinhos
até expelirem do banco.
Jogar zorra, futebol na areia
extensa e dura da praia. Mar a dentro subir nos trapiches pelas palafitas,
pular da cumeeira caindo na água num mergulho delirante. Nadar até o cais do
porto, os botos acompanhando, enormes e inofensivos peixes nos protegendo.
Numa noite de lua, Luzia pisou na areia
da praia e na água morna da marola. Embaixo da ponte do Salgadinho levou minha
inocência, a primeira vez ninguém esquece.
Certo dia o cais do porto amanheceu
repleto de pescadores, varas de pesca se cruzavam, acontecia a inexplicável
invasão das garaçumas na enseada da praia da Avenida. Peixe delicioso de águas
mornas, toda população de Maceió levou caniço e samburá para o cais ou nas
canoas, lanchas e jangadas em mar aberto. Cardumes cobertos por tarrafas, redes
e anzóis. Ninguém soube explicar o fenômeno. Peixe nadando em quantidade, não havia
anzol ocioso, pescadores se gabavam terem pescado três garaçumas abocanhando
apenas um anzol. A miséria da população acabou-se por alguns dias. Havia peixe
para todos, o pobre, o rico, o miserável, criança, velho e mulher, todos
viventes da cidade pescando garaçumas. Maceió tornou-se em festa, belas noites
iluminadas por fachos dos pescadores. Foram doze noites e treze dias, o mar
cinzento de peixe, cardumes e mais cardumes se renovavam entrando na enseada. Fenômeno
inexplicável, extraordinário, bendito e inesquecível tempo das garaçumas.
Mocinhas que não perdiam festa foram
apelidadas de “garaçumas”. Nessa época os negociantes de automóveis encheram
Maceió com um novo tipo de jipe americano vendido em grande quantidade logo
chamado também de garaçuma. Até hoje assim são assim conhecidos.
Anos 50 despertar da vida,
adolescência seminua na praia, futebol no sítio da Sinhá, roubar manga, coco,
melancia, caju nos sítios vizinhos. O Riacho Salgadinho uma fonte de lazer,
jangada construída por nós com tronco de bananeira, saíamos remando, pescando
de tarrafa, tainha e carapeba, e siri com tetéia, mergulhando no riacho de água
clara e limpa, à noite uma farra, comer, se empanturrar de peixe frito pescado
do dia, meninos felizes.
O Coronel Mário Lima toda
quarta-feira à noite brindava os moradores com retretas, concertos no coreto da
Avenida, tocava a Banda do Exército, do 20° BC. Noites quentes e alegres, acariciando
mãos das namoradas, jovens sonhadoras ouvindo músicas clássicas e populares,
"Bolero de Ravel", "Blue Moon", músicas americanas, Cole
Porter, Glenn Miller e os baiões de Luiz Gonzaga.
Quando as famílias entravam, hora de
dormir, guardando as cadeiras depois das 10 horas, a Avenida ficava deserta. A juventude
sorrateiramente subia as íngremes escadas dos casarões de Jaraguá em busca de
aventuras, de amor, às vezes as damas da noite não recebiam o pagamento devido,
davam carinho aos jovens, mesma idade, muitos casos de amor, de namoro entre as
meninas dos casarões e os meninos da Avenida.
Jaraguá, ah! Jaraguá querido,
quantas historias a contar, seus casarões seus armazéns, estavam para serem
demolidos, destruídos por uma nova ordem na especulação imobiliária emergente, não
aconteceu devido às mulheres da vida e aos boêmios terem ocupado por muitos anos
aquelas casas noturnas. Devemos a preservação daquele patrimônio arquitetônico
à boemia e às marafonas, benditas sejam as raparigas! Em uma parede do bairro pregaram
anonimamente uma placa em homenagem às "Raparigas Desconhecidas" por
conservarem, preservarem, por mais de 70 anos, os belos casarões do bairro
boêmio de Jaraguá. Hoje patrimônio arquitetônico e histórico de nossa cidade.
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