quarta-feira, 2 de outubro de 2013

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

DOM CARLITO DE LA PAZ Y LIMA


RONALD MENDONÇA
MÉDICO E MEMBRO DA AAL



De súbito, despertou no meio da noite e, vencendo a meia escuridão, foi ao quarto onde guarda seus livros e mil e uma lembranças. A um canto, a espada de cadete, polida regularmente, reluzia pendurada na cintura de um manequim sem cabeça vestido de sua garbosa farda. Criação dos amigos e parentes arquitetos, as peças compõem o museu particular que paciente e silenciosamente construiu ao longo dos anos. Protegidas por uma vidraça, em exposição permanente, não fora o detalhe da ausência do crânio, aos desavisados parece uma pessoa de carne e osso.
O Velho Capita estava tenso. Daqui a algumas horas estaria abrindo a FLIMAR. Estrategista por formação, embora tudo estivesse organizado, há sempre os imprevistos: a enxaqueca de uma auxiliar, um atraso de voo, uma defecção inesperada... Nos últimos dias teve de se virar para conseguir um novo espaço para abrigar algumas palestras. É que o local prometido foi fechado para reformas...
Quedar-se-ia pensativo na sua quase aurora solidão. Sentiu-se gratificado ao verificar que acertou na mosca por escolher Graciliano Ramos e Cacá Diegues como homenageados. Dois mitos. Um deles lenda viva da cultura e da arte brasileiras. O primeiro com vida e obra marcantes, cujas agruras e glórias pessoais já valem um bom romance.
Repassou toda a FLIMAR. Como um César ao atravessar o Rubicão, disse de si para consigo “ alea jacta est”, ou, “seja o que Deus quiser”. Viu-se então, anos atrás, timidamente lançando seu rumoroso livro de memórias da caserna. Depoimentos polêmicos, contudo essenciais para uma catarse espiritual e um início fantástico como escritor. Sexagenário, tomaria gosto pela coisa. Tornou-se um cronista dos mais respeitados e lidos, estilo inconfundível. Imitado mas nunca igualado. São quase 20 títulos publicados.
Fazendo dos vetustos armazéns de Jaraguá castelos medievais, tal um Quixote redivivo, duelaria em defesa da honra de donzelas prostitutas. Vieram as Negras Odetes, as Marias Batalhões, as Marias Sugadoras, as Pafinhas, Margôs, Terezinhas À La Coq e outras tantas anônimas ou famosas que fizeram a iniciação (e continuação) desse nunca completamente concluído aprendizado das artes e mistérios do amor. Desde Gardel não se cantava tão bem a “tragédia das perdidas, compreendendo suas vidas e perdoando seus papeis...”
Alagoas orgulha-se de você, meu bom Carlito. E , hoje, a você se rende.

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