domingo, 28 de abril de 2013

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

Dor de dente nas costas
 

Ronald Mendonça
Médico e Membro da AAL
 



O que poderia haver de comum entre o ator americano Jeff Chandler, o ex-craque Roberto Rivelino, o malsinado John Kennedy, o general Figueiredo, o escritor Otto Lara Resende e mais milhões de brasileiros pobres, ricos, brancos, negros e mulatos? Uma doença conhecida como hérnia discal, responsável por grande parte do absenteísmo ao trabalho. Doença que sobrecarrega as previdências sociais do mundo inteiro.
Jeff Chandler era um sujeito imenso de quase dois metros de altura. Não tenho grandes recordações de sua atuação como ator. Por um cacoete da profissão, liguei-me ao seu prontuário médico. Tinha em torno de 40 anos quando foi submetido a uma cirurgia de hérnia de disco, nos anos 60. Uma infecção generalizada, adquirida no pós-operatório, teria sido a causa do seu falecimento precoce.
O “Garoto do Parque”, referência ao Parque São Jorge, ambiente onde floresceu o “cracaço” Rivelino, apesar da sua consistência musculosa, também foi vítima desse problema. De vez em quando ia para o estaleiro. Os jornais comentavam sobre uma “ciática” recorrente, mal cuidada. As más línguas, palmeirenses ou santistas, espalhavam que o canhoto de chute amedrontador “amarelava” e inventava essa queixa.
JFK sofria desse mal. Como ninguém está livre do comentário malsão, dizia-se, nem tanto à sorrelfa, que o presidente americano, de tanto usar analgésicos em doses cavalares, teria uma dependência química. Consta nunca ter sido operado. A musa Marylin Monroe, uma das grandes paixões do líder, teria feito inconfidências sobre as penúrias gravitacionais do casal nos momentos de maior arrebatamento.
O colunista da Folha de São Paulo, Lara Resende, já era um homem idoso quando decidiu operar-se de uma hérnia discal, no Rio de Janeiro. Certamente a idade avançada contribuiu para o comemorativo funesto.
O homem que preferia o cheiro das estrebarias ao do povo sofreu pra caramba. O país acompanhou seu calvário. Figueiredo tentou tudo. Do fisiatra oriental às curas espirituais. A definição de sua dor reverberou mundo afora: “uma dor de dente nas costas”. Terminou no bisturi do neurocirurgião. Cavalgar, nunca mais.
Somente dez por cento dos portadores chegam à sala de cirurgia. A maioria convive bem com suas hérnias. De quando em vez, há uma recorrência dolorosa contornada com medicação sintomática e repouso. Às vezes, a infiltração anestésica atua na contratura muscular, aliviando de forma passageira a contratura e a dor.
A cura definitiva é obtida somente pela exérese da lesão, por processo cirúrgico. Poucos centros no Brasil, por razões óbvias, podem dispensar a presença do neurocirurgião. Alagoas não está incluída nesse rol. O implante de material de síntese em hérnias simples eleva custos e, sobretudo, riscos de maior morbidade.

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