domingo, 6 de outubro de 2019

OPINIÃO DO DR. MARCOS DAVI - MEMBRO DA AAL E DO IHGAL.

Preservar a Lava Jato


Tomé de Souza, primeiro governador-geral do Estado do Brasil, nomeado por D. João III em 1549, parece ter inaugurado entre nós o estilo “rouba mas faz”, consagrado séculos depois pelo governador de SP Adhemar de Barros. Em sua primeira missiva enviada a D. João, Tomé escreveu “uma pública ladroagem e grande malícia, porque cuidavam que nunca haviam de tomar- conta, viviam sem lei nem conheciam superior”.

O caso da Lava Jato é uma quebra de paradigma dessa putrefata chaga nacional, principalmente se for considerado o valor do dinheiro ressarcido aos cofres públicos. Como mostrou uma reportagem do jornal Estadão essa semana: R$ 2 bilhões do dinheiro desviado já voltaram aos cofres públicos, somente pelos delatores. Mas há também o que foi pago pelas empresas de acordos de leniência. Só a JBS está pagando parcelada uma dívida de R$ 10, 3 bilhões corrigida pela inflação. Tem ainda o que foi pago pela Petrobrás pelo acordo com o Departamento de Justiça americano que já está indo cobrir despesas públicas.

Os acordos de leniência com as empresas foram fechados em instâncias diferentes do setor público. Alguns com o Ministério Público Federal, outros com a AGU, outros com o CADE. É difícil saber tudo o que será pago ao fim do processo. Para se ter uma ideia, o acordo do MPF com a JBS prevê pagamento de R$ 10,3 bi em 23 anos corrigidos pelo IPCA. Já pagou R$ 200 milhões e pode precisar antecipar pagamentos se o STF decidir.

Matéria outra dessa semana de o Globo mostra que o já pago pelas delações premiadas chegam a R$ 1,837 bilhões. O valor total ao fim dos pagamentos será de R$ 3,1 bilhões. Outros recursos retornaram aos cofres públicos, como os 77 milhões descobertos pela Lava-Jato em contas no exterior de Renato Duque. Os procuradores de Curitiba queriam destinar parte desse dinheiro para criar uma fundação, mas, recentemente, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, fechou um acordo entre o governo, a PGR e o Supremo, e o dinheiro foi destinado em grande parte à Amazônia e educação, duas emergências nacionais, todavia, é preciso muita transparência no emprego desses valores, o que na prática, é a manutenção das premissas básicas da Lava Jato.

Em inúmeros casos de combate à corrupção no Brasil, houve revelação sobre perdas, o que causava sempre, além de imensos prejuízos para os cofres públicos, indescritível indignação na população, inconformada com o enriquecimento ilícito de grupos já privilegiados e premiados com a sua impunidade eterna. O que torna a Lava Jato diferente de outras operações é a capacidade demonstrada de fazer os corruptos devolverem o dinheiro do assalto aos cofres públicos. Esses montantes que voltaram demonstram claramente que a operação não foi uma perseguição política contra um único partido político, mas sim uma investigação sobre crimes cometidos contra os cofres públicos por empresas e políticos. Podem-se criticar vários aspectos da operação, como a intimidade que se revelou existir entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba. Mas os recursos retornados aos cofres públicos são uma prova da corrupção que de fato existiu no Brasil. É difícil contra-argumentar diante da materialidade do dinheiro recuperado.

Tudo isso foi conseguido através das Instituições nacionais que funcionaram em um regime democrático, sem o uso de práticas autoritárias ou ditatoriais. Mais um exemplo de que a democracia e as suas Instituições funcionam. É preciso lhes cobrar sempre mais, mas, igualmente, lhes dar força e credibilidade.

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