sábado, 19 de outubro de 2019

OPINIÃO DE MARCOS DAVI MELO

O Nobel, a pobreza e a desigualdade

Por Marcos Davi Melo. médico e membro da AAL e do IHGAL 

Embora esteja escrito na Bíblia, em Deuterrônio ,15,11, ”Pois nunca deixará de haver pobres na terra: por isso eu te ordeno: livremente abrirás mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na terra”, e essa preocupação com os despossuídos tenha presença perene no Livro Sagrado, foram os socialistas que acenaram com um paraíso na Terra, onde a desigualdade seria abolida, e cujo resultado foi o fracasso.
Todavia, a preocupação com a pobreza e a desigualdade não abandonou os que, mesmo vivendo no regime capitalista, acreditam que pode nele existir uma vertente social. Não por outra razão, o prêmio Nobel deste ano foi concedido a três economistas que devotaram suas vidas a essa questão. Houve tempo em que políticas de combate à pobreza não eram consideradas temas centrais na economia. Hoje, a economia se volta cada vez mais para a redução da pobreza e da desigualdade como forma não apenas de corrigir distorções criadas pelo capitalismo e do ultraliberalismo, mas também como única maneira de garantir aumento de produtividade e desenvolvimento. Os três laureados, Abhiijit Banerje, Esther Duflo (a segunda mulher a ganhar o Nobel de Economia) e Michael Cremer, fundaram o Laboratório Contra a Pobreza, no MIT, onde trabalham. Eles concluíram, baseados em evidências, que as tarefas de produção executadas conjuntamente, em um ambiente em que várias pessoas com aptidões diferentes e complementares cooperam, elevam a produtividade. Fizeram trabalhos juntos, tanto acadêmicos quanto avaliações diretas de políticas públicas na África, Índia e China. Foram analisados os investimentos em educação, infraestrutura, saúde, segurança. O comitê do Nobel referendou que o objetivo deles - garantir que a luta contra a pobreza esteja baseada em evidências científicas - era um dever moral das sociedades civilizadas, mas que os três laureados estimulam com seus trabalhos a forma mais eficiente, e cientificamente testada, de alcançar esse objetivo. .A pobreza sempre foi uma imensa preocupação dos grandes pensadores e humanistas, como o verdadeiramente franciscano Papa Francisco, e volta a ser questão fulcral no Brasil atual com a constatação de que aumenta a concentração de renda para uma minoria, enquanto se reduz para a grande maioria da população. “Onde falta comida não há bem que chegue nem mal que não sobre, gosto que dure nem satisfação que assista”, alertou Mateo Aleman (1547-1614) para o escape agressivo dessa chaga social. Fontes inquestionáveis de tensões sociais e de criminalidade, a pobreza e a desigualdade devem ser minimizadas, até para a segurança da própria sociedade e da democracia, conforme alertava Millôr Fernandes: “Ser pobre não é crime, mas ajuda muito a chegar lá”. O capitalismo pode ter uma vertente social mais efetiva e concreta, isso é um dever das sociedades civilizadas, e não por benemerência, mas sim porque essa é uma questão central do desenvolvimento. O capitalismo não precisa ser inevitavelmente desumano e selvagem.

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