sexta-feira, 18 de outubro de 2019

OPINIÃO DE MARCELO BERTOLUCI

MARCELO BERTOLUCI - DANDO PITACOS


O MUNDO FOFINHO

O ser humano sempre gostou de mandar e de modificar o mundo à sua vontade. Nos tempos de hoje, ficou mais fácil, pela invenção dos mundos virtuais: mundos que existem na internet, no facebook, no instagram. E ao contrário de outros tempos, onde as pessoas se orgulhavam de ser fortes e dominadoras, a humanidade hoje tem como meta um mundo fofinho.
O mundo fofinho tem muitos gatinhos e cachorrinhos fofos, óbvio. Todo mundo faz coraçãozinho com as mãos e usa a fitinha do outubro rosa e o arco-íris da causa LGBTQ. No mundo fofinho, todas as coisas de que gostamos aparecem do nada: basta pronunciar as palavras mágicas “eu tenho direito”. No mundo fofinho, supostamente prevalece a paz e a justiça social (seja lá o que isso signifique). Todos os habitantes do mundo fofinho pertencem a alguma minoria, e todos estão o tempo todo falando para os outros sobre a importância desta sua minoria ser “reconhecida”, “valorizada” e “empoderada”.
A principal preocupação do fofinho é mostrar ao mundo suas preocupações. Isso não significa que ele faça algo de concreto a respeito ou sequer aponte soluções. Sua preocupação, repito, é mostrar como ele é importante, inteligente, engajado, consciente, simpático, bacana, bonito, charmoso, elegante, sustentável, sem glúten e sem lactose. Isso significa postar muitas fotos e textos alheios, vestir camisetas com frases de efeito e tuitar bastante. Aliás, quando o habitante do mundo fofinho declara estar “indignado” com alguma coisa, seja a poluição dos rios da Cochinchina ou a falta de atendimento veterinário gratuito no Sri Lanka, ele exige que todo o planeta preste atenção à sua indignação e às suas exigências, que são, sem sobra de dúvida, as coisas mais importantes do mundo.
Esporadicamente os habitantes do mundo fofinho saem de suas redes sociais para “interagir” com o mundo de verdade. Em outras palavras, o fofinho irá escolher uma causa (geralmente ligada à Cochinchina, ao Sri Lanka ou qualquer lugar bem distante, porque falar dos problemas locais é chato e sem graça) e inventar um jeito de mostrá-la da forma mais escandalosa, de preferência atrapalhando a vida do máximo de pessoas que for possível, para deixar bem claro que o fofinho e seus problemas estão muito acima das demais pessoas. Um fofinho jamais manifesta sua indignação na praça em frente à prefeitura, por exemplo. Ao invés disso, vai obstruir uma rua importante, no horário mais movimentado, ou invadir um local e promover um quebra-quebra.
Uma coisa extremamente clara na mente do fofinho é o seu direito de ser tratado com todo o carinho, respeito e delicadeza: o mesmo carinho, respeito e delicadeza que ele jamais mostra para com os outros. O fofinho está sempre pronto a xingar e desrespeitar todos à sua volta, mas vê como o fim do mundo se alguém comete a ousadia de questioná-lo. Um fofinho que quebra ou destrói o que é dos outros está apenas “exercitando sua cidadania”, mas se alguém encosta um dedo no fofinho comete uma violência inaceitável. No mundo fofinho, violentos são sempre os outros.
Seria exagero dizer que todo criminoso é fofinho, mas os valores do mundo fofinho gozam de excelente acolhida entre estes. Exemplo prático: um assaltante invadir uma casa, fazer os moradores de reféns, ameaçá-los, e roubar o que deseja é normal, afinal as verdadeiras causas da criminalidade são a desigualdade e o capitalismo. Já o morador da casa usar uma arma para reagir e evitar o assalto é uma “reação desproporcional”, uma “atitude violenta” que deve ser castigada. Da mesma forma, invadir e depredar propriedades é apenas “direito legítimo de manifestação”, mas ser contido pela polícia é “violência policial” e uma “truculência” digna de “regimes autoritários” – regimes não-autoritários são os que mandam a polícia escoltar os fofinhos para que estes possam perturbar a vida dos outros sem se preocupar.
Se a idéia lhe interessou, não perca tempo! Escolha uma causa (os cachorrinhos abandonados, a opressão sofrida pelos camponeses do Butão, o fim dos canudinhos plásticos ou a desigualdade de gênero nas bandas de heavy-metal) e seja fofinho você também!

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