As versões e os fatos
sobre o fim do ciclo do PT. Por eleições gerais já!
Publicado originalmente em Ação Crítica, 7 de setembro de 2016
O impeachment de
Dilma colocou fim a 13 anos de governos petistas no Brasil. A despeito de
avanços alcançados na distribuição da renda do trabalho e na participação desta
no total da renda nacional, fruto sobretudo dos primeiros cinco anos do Governo
Lula, o saldo final é negativo.
Nenhuma reforma
estrutural da sociedade brasileira foi aprovada em benefício dos trabalhadores.
Nada de reforma tributária que desonerasse os mais pobres e taxasse os mais
ricos. Reforma agrária definhando ano a ano, até a completa inanição no Governo
Dilma. Reforma urbana esquecida, e substituída pelo incentivo à gentrificação,
com um programa de moradia que assenta os mais pobres em regiões distantes dos
locais de trabalho e da rede de infraestrutura.
Nada de reforma dos
meios de comunicação, para democratizá-los. Nada de reforma política para
diminuir o poder financeiro nas eleições, fortalecer o debate de projetos em
lugar do clientelismo e do personalismo, e ampliar os canais de participação
popular nos processos decisórios. Nada de reforma administrativa e do Estado,
para melhorar os serviços prestados à população e abrir espaço fiscal para o
investimento público. Nenhum projeto de desenvolvimento nacional baseado na
busca das fronteiras tecnológicas e na preservação ambiental.
As alianças construídas
para obter as vitórias eleitorais e a maioria parlamentar não foram feitas
tendo nenhum desses pontos como contrapartida. Que não se conseguisse avançar
em todas as reformas era natural. Mas se abster de fazer a disputa política em
torno de pelo menos parte delas é inaceitável. Durante os dois mandatos de
Lula, o PT governou apenas para repartir o orçamento e manter a economia
funcionando, aproveitando-se do chamado boom das commodities. Quando veio a
Dilma, a coisa degringolou e instaurou-se o desastre.
A palavra da moda é
narrativa. No fundo, nada mais do que a versão que tenta se sobrepor aos fatos.
Na narrativa do golpe
difundida pelos petistas, e da qual parte da antiga oposição de esquerda se
tornou caudatária, a versão é que Dilma foi derrubada por fazer um governo que
contrariava o interesse das elites em benefício da maior parte da população.
No mundo real, o fato
é que a imensa maior parte dos subsídios e desonerações que fomentaram o
descalabro fiscal foi concedida para grandes empresários, sem que isso
significasse aumento dos investimentos, já que o crédito privado foi
substituído pelo crédito público subsidiado, e nada foi feito dentro de uma
política industrial criteriosa (na prática dilmista, quem pedia levava). E,
enquanto dava subsídios para parte da elite econômica, não tomou nenhuma
iniciativa de reforma tributária para taxar essa mesma elite e desonerar os
mais pobres e a classe média, setores que são os que pagam mais impostos
proporcionalmente no país.
A versão é que Temer
entrou para implementar um programa de arrocho que a presidente deposta
combateria. O fato é que os cortes de Dilma, em seu curto segundo mandato,
foram maiores do que os que Temer leva a cabo agora. Já há muito defendíamos
que era necessário um ajuste fiscal para reorganizar as contas públicas
inteiramente avacalhadas por Dilma a partir de 2012 (e não apenas da União, mas
também dos estados, que se lambuzaram na leniência fiscal do antigo Secretário
do Tesouro de Dilma em seu primeiro mandato). Mas o ajuste de Levy no primeiro
ano do segundo mandato de Dilma praticamente jogou na lona o investimento
público e aprofundou a recessão econômica.
… O problema é que nem
Dilma propunha, nem Temer propõe, a contrapartida da reforma tributária para
desonerar o consumo dos mais pobres e da classe média, e fazer os mais ricos
contribuírem com uma parte maior das receitas públicas.
Os mais pobres e a
classe média pagaram a conta do ajuste de Dilma (como pagam a conta do ajuste
de Temer), com desemprego, achatamento salarial, diminuição da renda familiar e
precarização dos serviços públicos, enquanto os mais ricos eram e são poupados na
ausência de uma reforma tributária que taxasse sua renda e suas riquezas, e na
presença de juros elevadíssimos remunerando seu capital.
A versão é que Dilma
deu lugar a Temer para que fosse feita a reforma da Previdência, estabelecendo
a idade mínima para a aposentadoria. O fato é que Dilma também defendia
publicamente a reforma da previdência para elevar a idade da aposentadoria. E a
reforma é mesmo necessária para dar sustentabilidade ao sistema previdenciário
no médio e longo prazos, e liberar uma maior parte do orçamento público para
investimentos do Estado na indução do desenvolvimento econômico, para a
fiscalização da preservação ambiental e para a melhoria dos serviços públicos
(todas elas coisas que Temer não indica fazer, e que Dilma não fez).
O problema é que nem
Dilma propunha, nem Temer propõe, a contrapartida da reforma tributária para
desonerar o consumo dos mais pobres e da classe média, e fazer os mais ricos
contribuírem com uma parte maior das receitas públicas.
… O fato é que a
política de petróleo implementada pelos governos petistas foi desastrosa para a
Petrobras e para o país. Foram cinco anos sem leilões de novos poços, justo no
momento em que o preço do barril estava nas alturas…
A versão é que Temer
assumiu a faixa presidencial para privatizar empresas, infraestrutura de
transporte e serviços públicos. O fato é que Dilma abriu diversos processos de
concessões de infraestrutura, marcados na maior parte das vezes por sua inépcia
e por sua indecisão. Iniciava com condições muito duras para os investidores, e
depois ia recuando até ceder em praticamente tudo. No fim das contas, o
zigue-zague gerava incertezas que resultavam em leilões fracassados ou negócios
mal feitos, com taxas mínimas de ágio. Dilma não soube fazer as privatizações necessárias.
Temer promete vender até o que não deveria.
A versão é que Dilma
foi deposta para que o pré-sal fosse privatizado e o sistema de partilha
tivesse fim. O fato é que a política de petróleo implementada pelos governos
petistas foi desastrosa para a Petrobras e para o país. Foram cinco anos sem
leilões de novos poços, justo no momento em que o preço do barril estava nas
alturas, fazendo o Brasil perder uma excelente oportunidade de geração de
renda.
Ao mesmo tempo, a
obrigatoriedade de participação da Petrobras em pelo menos 30% dos consórcios
de exploração do pré-sal e o monopólio técnico da exploração foram
profundamente maléficos para a estatal. Era melhor poder escolher os campos a
explorar. Para a Petrobras, seria muito mais vantajoso ter uma participação
maior ou até 100% do campo de Libra, por exemplo, abrindo mão de sua
participação em outros campos menos rentáveis.
Mas o imperativo
legal de estar em todos os consórcios faz com que a empresa não tenha fôlego
para isso. Ao contrário do que diz a narrativa petista, o fato é que foi a
política de petróleo implementada pelos governos do PT que contrariaram os
interesses nacionais e a Petrobras. Isso para não falar da corrupção que lesou
a empresa, o erário público e até o plano de previdência dos funcionários da
estatal.
Em termos de
crescimento do PIB, os anos Dilma só não foram piores do que os períodos de
Collor e de Floriano Peixoto à frente da Presidência…
A versão é que Dilma
foi uma ousada e aguerrida combatente de um projeto popular, mas o fato é que
ela foi uma das piores presidentes da história do Brasil republicano,
provocando a maior recessão desde 1930, jogando no desemprego milhões de
pessoas e fazendo a renda per capita nacional regredir em pouco mais de dois
anos mais do que ela regrediu ao longo da chamada década perdida de 1980 (9,7%
desde o segundo trimestre de 2014, quando teve início a atual recessão, contra
7,6% registrados no período entre 1981 e 1992).
Em termos de
crescimento do PIB, os anos Dilma só não foram piores do que os períodos de
Collor e de Floriano Peixoto à frente da Presidência. O resultado é o
retrocesso de boa parte mesmo dos insuficientes avanços alcançados no Governo
Lula.
Pela defesa dessa
bandeira das Eleições Gerais Já, fomos duramente atacados pelos petistas e seus
satélites ao longo do último ano e meio. Os mesmos que agora erguem a bandeira
das Diretas Já. Diretas Já sim, mas não sob a hegemonia do PT, e não sem
denunciar que foi seu governo que nos trouxe até esta situação, mais do que
temerária, tenebrosa.
As versões não podem
se sobrepor aos fatos, para que o desastroso legado de Dilma não seja
encoberto, e para que o PT seja definitivamente suplantado na trajetória da
esquerda brasileira. Aqueles setores que jogam água no moinho da narrativa
construída pelo PT e se submetem à sua hegemonia atrasam a reorganização do
campo político que congrega os interesses da maioria do povo brasileiro, justo
em um momento de avanço das forças conservadoras e do ideário das elites
econômicas encasteladas no cume da pirâmide social.
Nós da Ação Crítica
seguimos defendendo, como fazemos desde o primeiro semestre do ano passado, que
a saída para a crise política do país é a realização imediata de eleições
gerais para a Presidência da República e o Congresso Nacional, processo ao
longo do qual sejam amplamente debatidas as propostas e programas para que o
Brasil saia do atoleiro em que Dilma nos meteu.
Só assim, com novas
lideranças políticas legitimadas pelo voto popular, e um programa de reformas
submetido ao escrutínio das urnas, o país poderá retomar o caminho do
desenvolvimento. A esse propósito, em breve divulgaremos um documento com
algumas propostas para colaborar no debate.
Pela defesa dessa
bandeira das Eleições Gerais Já, fomos duramente atacados pelos petistas e seus
satélites ao longo do último ano e meio. Os mesmos que agora erguem a bandeira
das Diretas Já. Diretas Já sim, mas não sob a hegemonia do PT, e não sem
denunciar que foi seu governo que nos trouxe até esta situação, mais do que
temerária, tenebrosa.
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*Vladimir
Palmeira, 71, foi um dos principais líderes das
manifestações de 1968 contra o Governo militar. Foi trocado, com Franklin
Martins, Fernando Gabeira e outros, pela liberdade do embaixador americano
Charles Burke Elbrick, que tinha sido sequestrado. Fundador do PT, deixou o
partido quando Delúbio Soares, expulso no início do Mensalão, foi readmitido na
legenda. Hoje, faz política no boletim Ação Crítica.
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