terça-feira, 5 de abril de 2016

COLUNA DO NERY

Sebastião Nery


O PRIMEIRO JOÃO DORIA

Rio – João Doria, João Agripino da Costa Doria, baiano de excepcional talento, foi o mais brilhante marqueteiro do País, do time de Nizan Guanaes, Washington Olivetto, Duda Mendonça.

Empolgado com a candidatura de Juracy Magalhães, governador da Bahia, à presidência da República, pela UDN, ficou contra Jânio Quadros que, em novembro de 1960, ia disputar a candidatura 

com Juracy na convenção da UDN. Doria criou um slogan arrasador, como tudo que fazia: “A UDN não precisa de vassoura. Juracy é limpo”.

E teve a ideia de mobilizar lideranças políticas do Nordeste: “Chegou a Vez do Nordeste – Para presidente, Juracy”.

“A Tarde” gostou do projeto e lá fui eu pelo Nordeste para ouvir os governadores. A segunda escala foi Pernambuco. Encontrei o rastro luminoso de Doria, o criador do marketing político brasileiro. 

No ano anterior havia comandado a propaganda da renovadora candidatura do industrial Cid Sampaio, da UDN, e concunhado de Miguel Arraes, depois secretário da Fazenda do governo de Cid.

O adversário de Cid era o respeitado professor, ex-deputado e senador Jarbas Maranhão, do PSD. Doria criou nas rádios uma devastadora campanha contra ele. Às seis da manhã, um relógio despertava, o locutor chamava: “Acorda, Jarbas! Cid já 

acordou!” Às sete horas, de novo o despertador tocando e o locutor : “Acorda, Jarbas! Cid já acordou”! E assim às oito, às nove, às dez, às onze. Às doze, afinal : “Jarbas acordou! Muito bem, Jarbas! Mas agora é tarde. Cid já ganhou”.

Cid me disse que ele e a UDN de Pernambuco iriam votar em Juracy, mas achava muito difícil a UDN resistir à avalanche da aliança de Jânio com Carlos Lacerda. Não resistiu. 

Em 1962, Doria saiu candidato a deputado federal pela Bahia, eu a deputado estadual. Fizemos a campanha juntos. E ganhamos. 

Um dia Salvador amanheceu coberta de cartazes: “João Doria vem aí”. Um mês depois: “João Doria vai chegar”. Mais um mês e afinal: “João Doria chegou”. Foi uma campanha eletrizante. 

Agora vejo o filho João Doria candidato a prefeito de São Paulo. Conheço a bravura deles. DNA não falha.

AI-2

Na Câmara Federal, dirigente da Frente Parlamentar Nacionalista, logo João Doria se revelou um parlamentar de primeira linha. Forte na tribuna, competente nas negociações, o golpe militar de 64 não o perdoou. Foi cassado logo na primeira lista, entre os 100 do 10 de abril. 

E fomos, cada um em seu canto, resistir a seu jeito. A maioria, como eu, entre prisões e aparelhos, perdeu logo todo o ano de 64. E em 65 um grupo baiano foi afinal encontrar-se em um esconderijo em São Paulo. 

Não nos conformávamos em a ditadura estar roubando preciosos anos de nossas vidas, sem podermos atuar abertamente. João Dória, cassado, antes de exilar-se em Paris, onde se bacharelou em Psicologia na Universidade da Sorbonne, e fazer mestrado e doutorado na Inglaterra na Universidade de Sussex, chamou um pequeno grupo para despedir-se, os que ele conhecia da campanha na Bahia: Mario Lima, Helio Duque, Domingos Leonelli, Luiz Gonzaga, eu. E sugeriu fazermos um “Ato Institucional nº 2”, que seria “assinado” pelo general-presidente Castelo. Ele na máquina, com seu talento e agilidade e nós, em volta, sugerindo coisas, palpitando. De madrugada, estava pronto, multiplicado em dezenas de cópias. Cada um saiu com seu pacote, para discretamente levarmos aos Correios e mandarmos a todos os jornais, revistas e TVs. 

Lembro o artigo 1º: “A partir desta data, o Brasil deixa de ser ‘Estados Unidos do Brasil’ e passa a ser ‘Brasil dos Estados Unidos’”.

Eram doze artigos. Cada um mais objetivo e indiscutível. Começaram a pipocar notas pelos jornais e revistas. E lá um dia o Carlos Heitor Cony, com sua bravura, publicou na integra no “Correio da Manhã”. Foi um escândalo nacional. O governo ficou possesso. Cony foi preso. Nunca ninguém descobriu a origem, que revelei pela primeira vez em meu livro “A Nuvem”, em homenagem a Doria e Cony. 

DIA-1

Era começo de 1965. Meses depois, em 27 de outubro de 65, o general-presidente Castelo Branco assinou o Ato Institucional nº 2, com 33 artigos, muito pior do que o nosso: (eleição indireta para a presidência da Republica para liquidar Lacerda pois Juscelino já estava cassado; dissolução de todos os partidos políticos; estupro do Supremo Tribunal, aumentando de 11 para 16 o numero de ministros, o que daria absoluta maioria ao governo; reabertura do processo de cassações etc).

O sucesso do nosso “AI-2” nos animou a continuar cutucando o cão com vara curta. O que a maioria daquela baianada acuada em São Paulo sabia fazer era jornal, revista. Uma revista com poucos nomes legais e a maioria falsos. “Dia 1”! Em homenagem ao 1º de abril deles.

Quando o governo percebeu que “Dia 1” era para valer, fechou.

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