quinta-feira, 9 de julho de 2015

EUA sabiam sobre desaparecidos na ditadura militar - UOL

Um conjunto de documentos secretos dos anos 70 agora liberados à consulta confirma que o governo dos Estados Unidos recebeu, antes de se tornarem claras para os familiares, informações privilegiadas sobre o destino de pelo menos três desaparecidos políticos durante a ditadura militar: o ex-deputado federal Rubens Paiva (1929-1971) e os militantes de esquerda Stuart Edgard Angel Jones (1945-1971) e Virgílio Gomes da Silva (1933-1969).
Os papéis integram um acervo de 538 documentos que tiveram seu sigilo desclassificado parcial ou totalmente pelo governo de Barack Obama em decorrência da viagem da presidente Dilma Rousseff aos EUA, no final do mês passado. Os documentos foram entregues à Casa Civil e deverão ser liberados à consulta a partir desta quinta-feira (9) no site do Arquivo Nacional na internet.
Sobre o ex-deputado Rubens Paiva, um telegrama diplomático confidencial de fevereiro de 1971, cujo sigilo foi afastado somente em maio passado, afirma: "Paiva morreu durante interrogatório ou de um de ataque cardíaco ou de outras causas".
Para os americanos, quando essa notícia se tornasse conhecida, "se isso eventualmente ocorrer", era "certo que seus amigos vão iniciar uma campanha emocional e dura contra o governo brasileiro por todos os meios possíveis" de divulgação dentro e fora do país.
O autor do telegrama, o diplomata morto em 2003 e veterano da II Guerra John W. Mowinckel, ao final do texto pede que o embaixador norte-americano no Brasil desenvolva ações para "convencer" o governo brasileiro "de que algo deve ser feito para punir ao menos alguns desses responsáveis –punir por julgamento público".
Quando o telegrama foi escrito, a família continuava buscando informações nos órgãos de repressão sobre o paradeiro de Paiva. A versão oficial distribuída à imprensa pelo Exército era que Paiva fora resgatado por um grupo de terroristas quando estava sendo transportado e permanecia desaparecido. Várias investigações posteriores à ditadura concluíram que o deputado foi morto sob tortura logo após ter se apresentado para um depoimento. Seu corpo nunca foi encontrado.
Outro telegrama datado de 30 de setembro de 1969 e liberado em 6 de maio passado confirma a prisão, por equipes da Oban (Operação Bandeirante), do militante da esquerda armada Virgílio Gomes da Silva, mas ressalta que o nome dele não foi divulgado no comunicado à imprensa, e que "possivelmente a polícia vai não dar conhecimento público de que ele foi preso". Virgílio morreu de tortura horas depois da prisão, segundo testemunhas, mas a versão oficial na época foi que ele permanecia foragido.
Um telegrama de agosto de 1971 confirma que o cônsul dos EUA James Reardon recebeu da polícia brasileira que um cidadão chamado "Stuart Edgar Angel Gomes" havia sido preso pela polícia, mas acabara "escapando". "Advogado e família estão muito interessados, na verdade desesperados, para descobrir a fonte da informação de Reardon", diz o telegrama.
"Interessante ver como os órgãos de segurança do Estado americano tinham conhecimento do aparato repressivo. Impressiona o conhecimento detalhado que tinham desses crimes", disse à Folha o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Sob seu comando está uma assessoria da Comissão da Verdade encarregada de organizar documentos inéditos.
No caso de Paiva, Mercadante se recorda que a filha mais velha do ex-deputado, a quem o petista chama de "Veroca", contava que sua mãe, dona Eunice, andava à época com recortes de jornais na carteira para conseguir viajar com os filhos e fazer matrícula das crianças na escolha. "Ela não tinha atestado de óbito", afirmou Mercadante.
RIOCENTRO
Os documentos também mostram que os americanos sabiam que 16 oficiais do Exército do Chile, sob a ditadura de Augusto Pinochet, receberam treinamento na escola do SNI (Serviço Nacional de Informações), em Brasília.
Sobre o atentado a bomba no Riocentro em 1981, os americanos tinham informações que lhes permitiam afirmar: "De nosso ponto de vista, não há dúvida de que tanto o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que foi morto, e o capitão Wilson Luís Chaves Machado, que ficou gravemente ferido, eram os pretensos autores e não as vítimas de um ataque a bomba".
O documento, produzido para ficar pelo menos 20 anos sob sigilo, foi remetido ao Departamento de Defesa. Ele apontou ainda: "Parece evidente que os dois indivíduos, como membros do DOI-CODI, estavam agindo sob ordens oficiais no momento em que a bomba acidentalmente explodiu no carro".
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DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Governo dos EUA recebeu, nos anos 70, informações privilegiadas sobre o destino de ao menos três deles

Rubens Paiva (1929-1971)

Ex-deputado federal, foi cassado após o golpe de 1964. Foi preso em 1971 por agentes do CISA, o órgão de inteligência da Aeronáutica, e levado ao DOI-Codi do Rio, sob suspeita de ligação com organizações clandestinas. Desde então, a família nunca mais teve notícias dele
Paradeiro
O Exército disse na época que Paiva foi resgatado por uma organização guerrilheira, mas várias investigações posteriores à ditadura concluíram que o deputado foi morto sob tortura. Seu corpo nunca foi encontrado
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Stuart Edgard Angel Jones (1945-1971)

Estudante que entrou na luta armada e virou dirigente do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), era filho da estilista Zuzu Angel. Desapareceu após ser preso por agentes do CISA
Paradeiro
Morreu sob tortura na Base Aérea do Galeão, segundo depoimentos de presos políticos. Seu corpo, porém, nunca foi encontrado. Zuzu Angel denunciou publicamente o caso no Brasil e no exterior
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Virgílio Gomes da Silva (1933-1969)

Operário que virou um dos principais dirigentes do Grupo Tático Armado da ALN (Ação Libertadora Nacional), foi um dos comandantes do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969
Paradeiro
Preso no mesmo ano por equipes da Oban (Operação Bandeirante), morreu sob tortura horas depois. Sabe-se que foi enterrado como indigente em São Paulo, mas os restos mortais nunca foram localizados

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