Meu
querido primo Walter
Sábado à noite senti-me atordoado quando Socorrinho
telefonou-me comunicando sua morte, uma tristeza profunda me invadiu, chorei,
chorei feito um menino, aquele menino que nós fomos. Puxei sua foto no
computador, de paletó, sério, como sempre foi na vida. Encarando a foto revi nos
vestígios da memória um pouco de nossa história. Nascemos três primos em 1940,
Mario Jorge em janeiro, eu fevereiro e você em março. A mais nítida recordação
do fundo do baú é 1946, a chegada do navio Itanajé com minha família ao porto
de Maceió. Tínhamos morado dois anos no Rio de Janeiro, o Capitão Mário Lima
retornava à sua terra, alguns dias navegando na imensidão do mar finalmente chegamos
a Maceió numa fascinante e luminosa manhã, o mar de um verde azulado, durante o
ancoramento olhei ao longe a praia branca cercada por casas pequeninas, mal
sabia, era a Avenida da Paz, seria o cenário de nossa infância, de nossa vida. Do
navio direto para casa da Vovó Melinha, foi meu primeiro contato com a praia da
Avenida. Durante o almoço misturavam-se parentes e amigos, lhe conheci, meu
querido primo, você foi meu primeiro amigo de infância. Depois do almoço a
grande família colocou cadeiras em baixo das amendoeiras, conversas, sorrisos,
sonhos. Nós fomos brincar no coreto da Avenida, pulando abaixo, jogando
futebol, corremos a praia de areia branca, molhamos os pés naquele mar que
seria meu mundo.
Meu pai
alugou uma casa na Avenida, aos domingos, você, Mario Jorge e Warren vinham à
praia, antes do banho de mar, jogar futebol na areia quente, brincar na Avenida,
nossa praia, éramos os donos da Avenida.
Muitas vezes o centro
de nossas brincadeiras foi sua casa, centro de Maceió, Rua da Alegria 61. Todo
dia 1º de janeiro, aniversário de sua irmã, Vânia, uma festa a correria perto da
Rua do Comércio, inesquecível a Sorveteria Xangai de Seu Fon, sinto ainda o
paladar, o sabor do crocante sorvete de chocolate.
Certa vez inventamos
de organizar um time de Futebol, Atlântico Futebol Clube, camisa branca com faixa
vermelha no peito. Jogávamos todo sábado. Seu tio Mário, meu pai, era coronel
do 20º BC, facilitava o jogo naquele campo maravilhoso. Inventávamos
campeonato, contra times do Farol, Poço, Pajuçara. Você jogava com um gorro
enfiado na cabeça, moda naquela época, melhorar cabecear ao gol. Quando ganhávamos na terça-feira saía na Gazeta de Alagoas:
"Vitorioso o Atlântico, batido o Palmeiras por 5 x 3". Quando
perdíamos nosso repórter esquecia de passar a notícia.
Infância, livre, leve e solta, juventude alegre, saudável,
hormônios à flor da pele. O homem é o produto do meio, levamos nossa infância
por toda vida dentro de nós, agora, Walter, primo querido, você levou a feliz
infância para a eternidade.
Certa vez, você me convidou a estudar matemática com o
professor Benedito de Moraes na Praça das Graças. Assistíamos as aulas juntos,
ganhamos muitos lápis acertando problemas, tenho forte base matemática, raciocínio
lógico, cartesiano, graças ao Professor Benedito, graças a você, meu primo. Tomamos
rumos diferentes, fui para Escola Militar, você para escola de Medicina,
tornou-se competente médico, o primeiro cirurgião pediatra das Alagoas. Eu
tinha maior orgulho. Encontrávamos sempre nessa Maceió, certa vez você me
confidenciou, ia noivar com Marta. Ao nascerem meus filhos você os pegou, acompanhou-os
o resto das vidas, assim como milhares de crianças nessa cidade. Walter você
foi cedo, 75 anos, entretanto, nos deixou o legado de sua honestidade, seu amor
à medicina, às crianças, e nos deixou ainda seus filhos Ana Paula, Walter,
Danilo, Eduardo, e a Betinha.É isso mesmo, primo velho, tem de ter coragem para
viver dignamente, a única certeza da vida é a morte, aliás, é a única
niveladora da igualdade humana. Certa vez li um livro de Hemingway, iniciava
com um poema de John Donnne, diz mais ou menos assim. "Nenhum
homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte
da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída; a morte
de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não
perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."
Ouço os sinos, dobram por mim,
até mais ver, querido primo.
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