sexta-feira, 29 de maio de 2015

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

                                JOCÃO
                                                        
         
    
         O Bar Colombo na Rua do Comércio era o ponto de intelectuais, políticos, artistas, boêmios e outros desocupados nos anos 50/60.
               Meu pai, frequentador de fim de tarde, às vezes levava os filhos. Sentava à mesa, pedia cerveja, mandava servir aos meninos sanduíche de fiambre, queijo do reino e caldo de cana. No Bar Colombo conheci Jocão, o mais afamado mentiroso das Alagoas. Vestia sempre paletó branco, escolhia uma mesa que não houvesse possibilidades de pagar a conta, arrastava uma cadeira e sentava.
           Perguntavam-lhe as novidades, era a senha para Jocão, com sua fértil imaginação, iniciar uma fantástica história inventada na hora.
             Certa tarde, contou ser o maior criador de codorna do Brasil.  De sua fazenda exportava codorna para todo mundo. Sua criação começou por acaso numa visita a Pedrinho, coletor estadual de Fernão Velho. Na saída Pedrinho embrulhou alguns ovos de codorna num jornal, presenteou Jocão, ele colocou o embrulho no bolso do paletó.
            Passou-se mais um mês, certo dia, ao acordar, Jocão ouviu fortes piados em seu quarto, investigou de onde vinha o barulho incessante. Ao abrir o guarda-roupa desvendou-se o mistério, no bolso do paletó, estavam oito filhotes de codorna nascidos dos ovos, esquecidos, presente de Pedrinho.
              Deu de comer pirão de farinha de mandioca, os bichinhos foram crescendo, se reproduziram com rapidez, ele teve de colocá-los em sua fazenda. Um jornal do sul considerou Jocão o maior produtor de codorna do país, talvez do mundo. Por mera sorte.
           Ao contar a mentira pedia mais cerveja, tira-gosto. Pagava a conta com fantasiosas histórias.

          Durante a II Guerra Mundial, constantemente Maceió entrava em “black-out” receio de um possível ataque aéreo alemão. As casas apagavam as luzes. Carros não circulavam. A cidade ficava às escuras prevenindo-se de um ataque. Havia uma rigorosa fiscalização, aviões brasileiros sobrevoavam a cidade procurando alguma falha, alguma luminosidade para corrigir.
       Na tarde posterior a um rigoroso “black-out” Jocão apareceu no Bar Colombo, sentou-se à mesa de uns ricaços, foram perguntando pela novidade. Ele não se fez de rogado, iniciou a história.
       “Eu quase não dormi nessa noite de black-out, os aviões da fiscalização sobrevoaram o tempo minha casa. Parecia haver alguma coisa errada. Acreditem, um avião passou tão baixo que meu vizinho acendeu o cigarro no fogo do motor do avião.
     De repente ouvi no rádio, havia um foco brilhoso, intenso, na rua onde moro. O locutor pedia aos populares identificar esse foco de alta luminosidade, senão submarinos e aviões alemães bombardeavam Maceió. De repente minha casa foi invadida por soldados do Exército, do 20º BC, identificaram o foco luminoso na janela de minha casa. Tudo foi esclarecido, a forte luminosidade era do anel de diamante de minha esposa que refletia a luz da Lua. A luz foi identificada por um oficial em posição no cais do porto, depois que os aviões deram o alarme. Cheguei a ser preso. Só sai do quartel hoje pela manhã."

                 Jocão se aborrecia quando o chamavam de mentiroso. Certa vez, no Bar Colombo pediram para contar uma mentira. Ele ficou triste, calado e muito sentido. Logo contou que sua mulher havia falecido. Estava por ali para espairecer um pouco e ver se arranjava algum dinheiro. Uma ajuda para o enterro da esposa.
      No mesmo instante os boêmios solidários fizeram uma arrecadação. Deram certa quantia para Jocão, que, além de embolsar a grana, pegou algumas garrafas de cerveja, um taco de presunto, deixou na conta dos amigos e foi chorar a defunta.
     Três boêmios compadecidos comparecerem ao enterro no outro dia às 10 horas. Ao chegar perto da casa de Jocão estranharam a falta de movimento e não ter cortinas negras nas janelas, costume antigo nos enterros velados em casa do defunto.
       Bateram à porta, Jocão atendeu. Eles perguntaram a hora do enterro. Para espanto dos visitantes, nosso herói gritou para dentro de casa: “Bastinha, venha ver quem veio para seu enterro”.
      E complementou para os dois companheiros: “Vocês não pediram para eu contar uma mentira?”.
     Sua mulher apareceu dando uma bela gargalhada e convidou os amigos para uma irrecusável rodada de cerveja com tira-gosto de charque. A alegre “defunta” se divertia com as invencionices do marido.  


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