SEU PÁDUA
Depois que o prefeito
Amphilóphio Mello, conhecido como poeta por Jayme de Altavila, construiu o coreto
na Avenida da Paz em 1926, a classe média alta de Maceió foi se mudando aos
poucos para a praia da Avenida no embalo do modismo, banho salgado, como era
chamado o banho de mar. Nos anos 40/50 a Avenida da Paz passou a ser a moradia
chique da cidade.
Ronaldo Cardoso, ex-vizinho,
deu-me um presente: relação dos moradores da praia da Avenida da Paz e
adjacência nos anos 40/50/60. Examinando com carinho essa preciosidade
lembrei-me daquelas famílias que povoaram minha juventude e povoam minhas
lembranças.
A moçada depois da praia, do
futebol, e do almoço, estirava o corpo à sombra na calçada da Travessa que liga
a Avenida da Paz à Rua Silvério Jorge. Por volta das duas horas aparecia Seu
Primitivo com o carrinho de sorvete, sempre duas qualidades: coco e goiaba,
coco e mangaba, coco e abacaxi; a turma se deliciava enquanto comentava as
brincadeiras, jogos, falando alto, de maneira anárquica, como são os jovens.
Na casa de esquina da Avenida,
onde hoje funciona o restaurante Carne do Sol do Picuí, morava Seu Pádua,
cabelos embranquecidos pelo tempo, rosto oval, vermelho, vestido em roupas rotas,
camiseta, sempre de tamancos. Ele vivia de rendas, era usurário, agiota,
grotesco e ingênuo, tinha apego satânico ao dinheiro. Emprestava a juros para
os bacanas. Seu Pádua não gostava de nossas algazarras embaixo de suas janelas.
Muitas vezes reclamou do barulho. Éramos dez ou doze adolescentes. Quando o
velho reclamava, a moçada respondia com um sopro barulhento saído entre os
lábios protegidos pela mão, o popular porrote. Ele xingava brabo do alto da
janela.
Em certo entardecer apareceu um homem
alto, louro, vestido num terno branco de linho irlandês, sotaque carioca, com
um grande embrulho no braço. Bateu na casa de Seu Pádua pedindo uma conversa
confidencial. Seu Pádua, curioso com a visita inusitada, trancou-se numa sala
com o cidadão que não perdeu tempo em explicar: Vinha da capital do país, o Rio
de Janeiro, com credencial do Ministério da Fazenda para mostrar a novidade a
algumas pessoas escolhidas em Alagoas. Já estivera como o governador, e outras
autoridades que indicaram o nome de Seu Pádua e foi desembrulhando o pacote,
apareceu uma caixa de madeira com um furo horizontal na frente, outro atrás, ao
lado uma manivela, em cima uma espécie de funil. Depois de alguma conversa o
carioca mostrou para que servia aquela geringonça. Retirou da pasta um caderno
“Avante”, rasgou uma página, introduziu-a na abertura horizontal por trás, rodou
a manivela. A folha de papel foi desaparecendo dentro da caixa, de repente apareceu
na abertura da frente um pequeno pedaço de papel com uma coloração forte em
azul e verde, mais algumas maniveladas deu para distinguir uma nota novinha de
CR$ 100,00 (cem cruzeiros). Ela caiu como uma folha seca na mesa. Seu Pádua
ficou maravilhado olhando para Vargas, o vendedor, calado, alimentou novamente a
fresta traseira com nova folha de papel de caderno, colocou azeite no funil,
advertiu que a máquina tinha que estar sempre azeitada, rodou a manivela, caiu
mais outra nota de Cr$ 100,00. Depois de repetir duas vezes a operação, com Cr$
400,00 na mão, iniciou a venda altamente sigilosa com Seu Pádua. Ele pagaria
pela máquina 8 contos (Cr$ 8.000,00) em 10 prestações de Cr$ 800,00, se ele realmente
quisesse. Como garantia tinha apenas que assinar as promissórias e pagar as
três últimas prestações no valor de 2,4 contos. Acertaram tudo. Vargas recebeu
os Cr$ 2.400,00, rapou os R$ 400,00 saídos da caixa, apertou a mão do velho e
escafedeu-se.
Seu Pádua voltou maravilhado, na
maior expectativa. Colocou o papel em um lado, rodou a manivela, saiu Cr$ 100,00
do outro lado. Encantado, feliz, repetiu por três vezes a operação. Na quarta virada
ouviu-se um ‘creque”, a maquina enganchou. Ele deu um grito para empregada,
“Chiquinha traz o azeite!!!”. A empregada custou a aparecer. Seu Pádua, quase
desesperado, gritava mais alto:
“Chiquinha traz o azeite!!!!” Tão alto que a meninada ouviu na esquina.
Dia seguinte, na certeza de ter caído no conto do vigarista,
foi conversar com meu pai, contou toda história. Eu ouvi quando papai o
aconselhou, se ele fosse à delegacia dar queixa, seria preso.
À
tarde toda molecada sabia da trapalhada, eu contei. Emílio Cardoso e Lelé,
inimigos nº 1 do velho agiota, não perdoaram, passavam na esquina gritando,
“Chiquinha traz o azeite, Chiquinha...” Seu
Pádua vermelho de raiva, aparecia na janela, xingava gritando seu palavrão
predileto: “Vão se fuder, seus filhos de uma puta” .
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