sexta-feira, 19 de setembro de 2014

UM TEXTO DE JOSIAS DE SOUZA

SILÊNCIO DE DELATOR NA CPI DIZ MUITO SOBRE O PAÍS

Josias de Souza
PauloRobertoAgSenado
“O senhor sabe que, hoje, o nome que o senhor falar está morto”, disse o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO) a Paulo Roberto Costa. Ele chegara à CPI da Petrobras havia quase três horas. Desde o início da sessão, invocara o seu direito constitucional ao silêncio. Mas Mabel queria que o petrodelator ao menos retirasse da fogueira os nomes que ardem no noticiário como beneficiários de propinas.
Entre esses nomes, há dois caciques do partido de Mabel: Renan Calheiros e Henrique Alves, presidentes do Senado e da Câmara. “Ninguém sabe se o senhor falou ou não os nomes dessas pessoas”, lamuriou-se o deputado. O ex-diretor da Petrobras não se deu por achado: “Desculpe, mas reitero minha posição, me permito ficar calado.”
Correligionário do ex-presidenciável Eduardo Campos, incluído depois de morto na lista de supostos alvos da delação de Paulo Roberto, o deputado Júlio Delgado voltou à carga: “…Vou tentar mais uma vez: o senhor confirma esses nomes todos que já foram citados nos órgãos de imprensa? Confirma a participação deles em algum esquema da Petrobras?” E o delator: “Desculpe, mas nada a delcarar.”
O silêncio do delator era previsível. Se abrisse o bico, ele correria o risco de perder os benefícios judiciais que reivindica como prêmio no acordo de delação que firmou com a Procuradoria da República. Contra esse pano de fundo, o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), cujo nome também foi lançado na fogueira de uma lista, animou-se a inquirir o não-depoente.
Eduardo Cunha soou inespecífico: “Quero saber se o depoente confirma a divulgação de nomes que supostamente teriam sido citados. E, se confirma, qual é a condição e qual é o fato?” Paulo Roberto manteve-se impassível: “Nada a declarar”.
A CPI andava esvaziada. Mas teve quórum máximo nesta terça-feira. Era grande a expectativa quando Paulo Roberto entrou na sala, pouco depois das 14h30. Em torno do seu rosto, um halo de glória se desenhava. Estava leve. Era como se a delação tivesse refinado anos de óleo pesado que ele carregava na alma.
O frisson dava a sensação de que algo estava se movendo na CPI, quando nada se movia. Houve propina em Pasadena?, indagou o relator petista Marco Maia (RS) “Eu vou permanecer calado.” O projeto original da refinaria Abreu e Lima foi alterado? “Senhor relator, desculpe, não tenho nada a declarar.” Confirma o acordo de delação com a PF e o Ministério Público? “Com todo o respeito, nada a declarar.”
Os lábios de Paulo Roberto mal conseguiam esconder um sorriso de orgulho. Ele agora exibe sob o nariz um bigode que evoca a figura de um bandoleiro de filme mexicano. Trocou a delicadeza do cinismo negacionista pela revolucionária admissão de culpa. Virou uma espécie de harakiri da máfia política que o bajulava. Fez isso na ante-sala das eleições gerais.
O silêncio de Paulo Roberto no Congresso diz muito mais sobre o Brasil do que sua loquacidade anterior. No dia 10 de junho, ele estivera numa outra CPI da Petrobras, mais governista, composta apenas de senadores. “Eu me sinto constrangida, humilhada”, disse a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM), ao relembrar, diante do agora delator, as respostas que ele lhe dera há três meses.
Olhando para o ex-loquaz, Vanessa prosseguiu: “Perguntei ao doutor Paulo Roberto, de uma forma muio simples: a imprensa toda diz que o senhor é um homem-bomba. O senhor é um homem-bomba? Tem a mesmo a capacidade de estremecer a República? O senhor discorreu um rosário, dizendo que não se considerava um homem-bomba.”
Vanessa manuseava a transcrição do depoimento que a delação deixou velho. “Está aqui o seu depoimento, doutor Paulo Roberto. É do dia 10 de junho. O senhor disse: ‘Não me considero um homem-bomba. Os contratos de grande valor não é um diretor que aprova, são todos os diretores…”
A senadora tinha razões para decepcionar-se. Vanessa é uma destacada integrante da infantaria governista. A deserção de Paulo Roberto obrigou-a a se reposicionar no front. Como muitos outros membros da falange do Planalto, ela não sabe bem o papel que irá assumir.
Depois de fazer pose de humilhada, a senadora voltou ao normal: “O que esse Brasil precisa é de profundas reformas políticas. Enquanto um deputado, um vereador, um prefeito, um governador, um presidente e um senador precisar de dinheiro de empresário para fazer sua campanha, essas coisas se repetirão.” Onde se lê “essas coisas”, leia-se roubalheira.
Vanessa prosseguiu: “A cada eleição, a gente começa a discutir reforma política. E por que não aprovamos até hoje…?”. A oradora deixa a interrogação no ar. Não se anima a responder. Mas, minutos antes, ela dirigira ao delator Paulo Roberto uma frase que talvez ajuda a explicar: “Tudo indica que o dinheiro saía [das arcas da Petrobras] para campanha, mas saía também para enricar alguns poucos.”
Como se vê, o silêncio de Paulo Roberto na CPI diz muito sobre o Brasil.
O silêncio do delator confirma que, entre 2004 e 2012, período em que comandou a diretoria de Abastecimento da Petrobras, realizaram-se na maior estatal brasileira tenebrosas transações.
O silêncio do delator esclarece que o modelo político ainda em vigor é o presidencialismo de cooptação, não de coalizão.
O silêncio do delator informa que o empreendimento político que desgoverna o país não aprendeu nada com o envio da cúpula do PT para a penitenciária da Papuda.
O silêncio do delator repete que o sistema eleitoral brasileiro apodreceu.
De resto, o silêncio do delator grita que, se não tomar cuidado, você continuará frequentando o picadeiro vestido de palhaço.

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