domingo, 30 de março de 2014

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA

NISE, PROSELITISMOS E FANTASIAS
Por: » RONALD MENDONÇA – médico e membro da AAL.
Certamente, a médica Nise da Silveira merece nosso respeito. Ex-aluna do Colégio Sacramento, em Maceió, sobrinha do lendário major Bonifácio Silveira, foi a única mulher colando grau em Medicina numa turma de cento e tantos marmanjos. Uma vitoriosa. Alma sensível, engraçou-se pela psiquiatria. Naqueles tempos, a psiquiatria abusava das descrições. Os autores alemães eram minuciosos e registravam gestos, olhares, hábitos, palavras, meias palavras, grunhidos, frases e textos... Contrastava com essa rica doutrina o fraquíssimo arsenal terapêutico.

A eletroconvulsoterapia surgiria quando Nise já amargara o fel dos porões. Sua prisão nada tem a ver com suas convicções, digamos, médicas. Tratamento revolucionário dos distúrbios mentais graves, a possibilidade de uma corrente elétrica reverter psicoses era algo impensável para suas limitações científicas. Afinal, uma sessão de eletroconvulsoterapia é como ver uma crise epiléptica. Curiosamente, cineastas de todos os matizes têm múltiplos orgasmos ao mostrar pacientes em camisa de força, de maca, sendo conduzidos ao “cadafalso”. Que cenas forçadas, companheiros! Maca é utensílio raramente usado em hospital psiquiátrico. O detalhe é que eles (cineastas) nunca se preocuparam em saber se os pacientes melhoravam.

Deus me livre de pensar na nossa delicada Nise, hoje, numa UTI... Pacientes com intubações, intracates, sondas em tudo que é orifício e choques elétricos nos peitos, nos casos de arritmia ou parada cardíaca... As contradições do ser humano não a pouparam. Não há registros de a alma sensível e humanitária de Nise ter sido incomodada pelo assassinato de 20 milhões de viventes nos regimes dos seus sonhos. Um paradoxo para quem se horrorizava com uma convulsão...

Para desgosto das torcidas do Flamengo, a despeito de toda difamação, o eletrochoque continua vivo. Ironicamente, o “método que revolucionou” o tratamento psiquiátrico existe apenas nos proselitismos e nas fantasias. Um prosaico comprimido de Haldol faz muito mais pelos delirantes que centenas de pinceis e latas de tinta. Não obstante, nossa boa Nise é digna da nossa consideração. Como a Robusterina e o Biotônico Fontoura, teve seu tempo de fastígio. Como cientista, era, no mínimo, tendenciosa.

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