Na equação Razão x Sensibilidade, não seria exagero dizer que dona Zélia era a razão e seu Jorge a sensibilidade. Teimosos os dois, eram frequentes as discussões por conta da imensa generosidade dele, ajudando todo mundo, presenteando todo mundo, sem ligar para formalismos, nem diferenças de classe. Voltando da Europa, o mesmo lenço de seda italiano, mesma estampa, mesma grife, foi dado à esposa daquele famoso e à esposa do querido seu Rufino.
-- Mas Jorge, o que a mulher do famoso vai dizer de você dar o mesmo lenço à mulher de seu Rufino?
-- E ela lá vai saber? Tenho certeza que a mulher de seu Rufino não vai se importar de ter outra mulher com um lenço igual ao dela. Deixa de bobagem, Zezinha... Oxente.
Papai era um socialista convicto. Acreditava e agia de acordo. Procuro ser igual a ele.
-- Mas Jorge, o que a mulher do famoso vai dizer de você dar o mesmo lenço à mulher de seu Rufino?
-- E ela lá vai saber? Tenho certeza que a mulher de seu Rufino não vai se importar de ter outra mulher com um lenço igual ao dela. Deixa de bobagem, Zezinha... Oxente.
Papai era um socialista convicto. Acreditava e agia de acordo. Procuro ser igual a ele.
Mas bem, comecei contando essa particularidade do casal Amado para falar de Das Neves, uma boa pessoa, dotada de dificuldades intelectuais sérias. Para quem não entendeu minha expressão politicamente correta, Das Neves tinha um retardamento mental bem razoável. No popular, era muito lesa. Era irmã de Eunice, nossa arrumadeira. A vida estava dura e era preciso melhorar o orçamento familiar.
-- Quem sabe, dona Zélia, ela podia vir como ajudante, eu ensino as coisas para ela fazer, o salário não precisa ser grande.
Mamãe foi falar com papai, que na casa da Alagoinhas as decisões passavam pelos dois.
-- Claro, Zé, é um jeito da gente ajudar Eunice, tão boa pessoa. E por mais abestada que a moça seja, há de conseguir fazer alguma coisinha.
Chegou Das Neves, quietinha, dava umas risadinhas engraçadas de vez em quando. Fazia pequenas tarefas, sempre mal feitas, não dava ouvidos ao que lhe era pedido, enfim, deixava muito a desejar no serviço, mas nunca na simpatia e na gentileza.
-- Das Neves, passa um paninho na varanda que ficou molhada com a chuva, por favor.
-- Sim senhora, Dona Zéia.
E lá ía Das Neves atrás dos gatos, pegava Nacib no colo e se sentava no batente da cozinha, coçando sua barriga. O siamês ronronava satisfeito.
-- Você viu isso, Jorge? Acabei de pedir para secar a varanda e ela foi brincar com o gato.
Papai riu.
-- Você viu como Nacib está satisfeito? Das Neves é ótima!
A partir dessa conversa, a cada vez que saíam, papai a chamava:
-- Das Neves, minha filha, venha cá. Olhe, nós vamos sair e eu quero pedir a você que alise muito meu gato.
-- Aliso, sim senhor.
E saía imediatamente para buscar Nacib.
Ao voltar, a encontravam sentadinha com o gato refestelado no seu colo.
-- Alisou, Das Neves?
-- Alisei, sim senhor.
Papai puxava uma nota de dez, entregava dizendo:
-- Para você tomar um guaraná no fim de semana.
-- Ai, Jorge, assim você acaba estragando a moça de uma vez.
E assim transcorria a vida, moça, gato e seu Jorge contentes, dona Zélia desesperançada de botar os trilhos nos eixos.
-- Quem sabe, dona Zélia, ela podia vir como ajudante, eu ensino as coisas para ela fazer, o salário não precisa ser grande.
Mamãe foi falar com papai, que na casa da Alagoinhas as decisões passavam pelos dois.
-- Claro, Zé, é um jeito da gente ajudar Eunice, tão boa pessoa. E por mais abestada que a moça seja, há de conseguir fazer alguma coisinha.
Chegou Das Neves, quietinha, dava umas risadinhas engraçadas de vez em quando. Fazia pequenas tarefas, sempre mal feitas, não dava ouvidos ao que lhe era pedido, enfim, deixava muito a desejar no serviço, mas nunca na simpatia e na gentileza.
-- Das Neves, passa um paninho na varanda que ficou molhada com a chuva, por favor.
-- Sim senhora, Dona Zéia.
E lá ía Das Neves atrás dos gatos, pegava Nacib no colo e se sentava no batente da cozinha, coçando sua barriga. O siamês ronronava satisfeito.
-- Você viu isso, Jorge? Acabei de pedir para secar a varanda e ela foi brincar com o gato.
Papai riu.
-- Você viu como Nacib está satisfeito? Das Neves é ótima!
A partir dessa conversa, a cada vez que saíam, papai a chamava:
-- Das Neves, minha filha, venha cá. Olhe, nós vamos sair e eu quero pedir a você que alise muito meu gato.
-- Aliso, sim senhor.
E saía imediatamente para buscar Nacib.
Ao voltar, a encontravam sentadinha com o gato refestelado no seu colo.
-- Alisou, Das Neves?
-- Alisei, sim senhor.
Papai puxava uma nota de dez, entregava dizendo:
-- Para você tomar um guaraná no fim de semana.
-- Ai, Jorge, assim você acaba estragando a moça de uma vez.
E assim transcorria a vida, moça, gato e seu Jorge contentes, dona Zélia desesperançada de botar os trilhos nos eixos.
Até que um dia os Erês baixaram em Das Neves. Para quem não sabe, no nosso sincretismo religioso, os Erês, ou Ibejis, são Cosme e Damião, orixás crianças e como tal levados.
-- Corre, dona Zélia, que Nevinha tá atuada, gritava Eunice desesperada.
Corremos todos. Sentada no alto do beliche de seu quarto, Das Neves pulava, batia palmas, ria de se acabar. Ao ver papai, pulou em seu pescoço. Entre coisas incompreensíveis e uma risada e outra, disse, fazendo cócegas em sua barriga:
-- Seu Jolginhooooo, ói eu! Ói cochiguinha, hehehehe. Paiiiiiinho! Hehehehehe!
E saiu correndo pelo jardim, pintando e bordando, nós atrás tentando acalmar.
Foi preciso chamar Nezinho da Muritiba, o pai de santo. Não teve jeito, tiveram que levá-la para o candomblé, fazer grande trabalho, muitos carurus, os Erês não queriam abandonar o corpo daquela alma pura, alma de menina.
Perdemos a sua companhia diária. De vez em quando Das Neves vinha nos visitar, para alegria geral, mas, sobretudo, do gato Nacib, que corria para seu colo, onde merecia todos os seus mimos e carinhos.
Papai olhava contente...
-- Alisando meu gato, Das Neves?
--Tô, sim senhor!
-- Corre, dona Zélia, que Nevinha tá atuada, gritava Eunice desesperada.
Corremos todos. Sentada no alto do beliche de seu quarto, Das Neves pulava, batia palmas, ria de se acabar. Ao ver papai, pulou em seu pescoço. Entre coisas incompreensíveis e uma risada e outra, disse, fazendo cócegas em sua barriga:
-- Seu Jolginhooooo, ói eu! Ói cochiguinha, hehehehe. Paiiiiiinho! Hehehehehe!
E saiu correndo pelo jardim, pintando e bordando, nós atrás tentando acalmar.
Foi preciso chamar Nezinho da Muritiba, o pai de santo. Não teve jeito, tiveram que levá-la para o candomblé, fazer grande trabalho, muitos carurus, os Erês não queriam abandonar o corpo daquela alma pura, alma de menina.
Perdemos a sua companhia diária. De vez em quando Das Neves vinha nos visitar, para alegria geral, mas, sobretudo, do gato Nacib, que corria para seu colo, onde merecia todos os seus mimos e carinhos.
Papai olhava contente...
-- Alisando meu gato, Das Neves?
--Tô, sim senhor!
Bom domingo a todos. O meu, mais uma vez, será muito alegre, com a festa de aniversário de meu neto Felipe. Viva o Lipe! Vivô!
Nenhum comentário:
Postar um comentário