quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

O BANHO DE ARNALDO


     
Cícero ficou radiante ao conseguir emprego na transportadora de valores, passado o período de capacitação, deram-lhe fardamento, iniciou seu trabalho com atenção e medo de assaltantes. Ao retornar em seu bairro, fardado, sentia-se o próprio coronel de Polícia, até brigas e pendengas entre moradores ele era consultado. Comprou uma moto barata de segunda mão assumindo o débito no banco, para onde escorria metade de seu salário. Numa festa conheceu Florinda, menina, 16 anos, se apaixonou, namorou, engravidou e casou-se. Foram morar numa casa alugada de porta e janela onde nasceu o Matheus. Cícero não deixou Florinda trabalhar para cuidar do menino, comiam na casa do sogro no bairro do Clima Bom.
   Passaram-se seis anos, o casal sobrevivendo, até que Cícero deu para beber, vivia reclamando da vida, comportamento estranho, deixou de procurar a esposa na cama, ela gostava tanto da vadiagem. Nessa época Florinda havia arranjado um emprego de doméstica na casa de um ricaço na orla, limpava, passava e cozinhava, a  patroa descobriu uma excelente cozinheira. Melhorou a situação econômica, Matheus estudando, entretanto, a cachaça e o distanciamento do marido entristeceu a bela Florinda. Certa tarde ela apanhou o filho mais cedo na escola, estava febril, ao chegar em casa percebeu a moto de Cícero, maior surpresa ao abrir a porta do quarto, o marido se pegando com um boy conhecido no bairro. A maior decepção, humilhação e traição que uma mulher pode ter. No mesmo dia exigiu a saída do marido de casa, chorou a noite toda. Levantou-se de madrugada, olhou-se no espelho, prometeu a ela mesmo recuperar sua vida, tinha o amor de Matheus para lhe dar força.
    Com um ano de separação a dor amenizou, Florinda, bonita, assediada por muitos homens, preferiu, embora gostasse tanto do amor, fechar-se, não queria outro homem por enquanto. Até o patrão mostrava uma queda pela bela empregada, ela fingia não entender as insinuações.
     No dia que Arnaldo, o patrão, completou 67 anos teve um derrame, uma catástrofe na casa de Dona Geruza. Ela e os dois filhos deram a assistência devida no hospital. Ao voltar para o luxuoso apartamento Arnaldo precisou de uma enfermeira, ajudava no banho, no vestir-se, o empresário falava um pouco enrolado, dava para entender. Cismou com as enfermeiras, toda semana trocava de assistente. Certo dia na falta de enfermeira, Florinda ajudou Arnaldo a tomar o banho de banheira, enxugou-o, vestiu-o, o velho ficou surpreso com a delicadeza, a suavidade de gestos da empregada, gostou daquele cuidado, disse que Florinda havia nascido para cuidar de idoso. A partir daquele momento só chamava pela empregada, durante todo dia, inclusive no banho de sol em cadeira de roda, só queria a jovem bonita. Florinda dava conta da cozinha, da casa, do patrão, ficou muito cansativo, inclusive em suas folgas sábado à tarde e domingo era chamada com urgência, Arnaldo só aceitava a assistência da enfermeira improvisada. Quando Florinda se recusou a trabalhar nas folgas, foi um Deus no acuda, Dona Geruza entendeu, seu marido, não só gostava do tratamento de Florinda, ele estava encantado, talvez apaixonado pela jovem. Ela foi de uma grandiosidade extraordinária só encontrada nas grandes mulheres quando entrou em um acordo com a empregada-enfermeira. Arnaldo propôs ela morar em um de seus apartamentos mais perto, pagava a escola de Matheus e aumentava o salário em cinco vezes, desde que ela desse maior dedicação em seu tempo a Arnaldo. Florinda não abriu mão de sua folga nos domingos, assim ficou acertado.
Em véspera de completar 70 anos Arnaldo melhorou bastante em sua mobilidade, aceita sua idade, tem em casa uma grande mulher que o ajuda e uma enfermeira competente, suave, cuja delicadeza minimiza o sofrimento do enfermo.

Pelo menos duas vezes na semana Dona Geruza passa a tarde em compras no Shopping, é a tarde do banho de banheira prolongado de Arnaldo, uma hora no mínimo ele passa com a gentil Florinda trancados no banheiro.

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