CONFISSÕES
DE UM CAPITÃO
Nas horas de reunião e de refeições, era só
ouvidos, principalmente quando o assunto era preso e família de preso. Só me
manifestava em assuntos banais, futebol, mulher e boemia. Todos sabiam de meu
relacionamento com os presos políticos, evitavam o assunto comigo, às vezes
alguma comentário, alguma estocada indireta, nada que impedisse levar a vida dentro do
quartel com normalidade.
Certo
dia, um coronel do IV Exército, inspecionando a 2ª Cia. de Guardas, na hora do
cumprimento aos oficiais formados em círculo no gabinete do comando, passou por
mim deliberadamente sem estender a mão, foi como um insulto ostensivo.
Confesso, me aborreceu.
Eu
não abria mão de minha vida privada, além da faculdade, frequentava amigos do
Recife, passava fins de semana em Maceió, minha cidade adorada.
Deixei de morar no quartel, aluguei um
apartamento com meu irmão, saí do círculo de giz, ambiente fora do trabalho com
os mesmos companheiros de trabalho aumenta a rotina, os assuntos são sempre os
mesmos.
Quando tocava ordem, ou seja, fim de
expediente, às 5 da tarde, eu pegava um ônibus para a Faculdade de Engenharia
na Ilha do Leite. Meus estudos se restringiam às aulas assistidas. Fui assim
levando, pagando as matérias possíveis, havia me livrado das que havia pago na
Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN).
Embora achasse a Faculdade desorganizada em
relação ao ensino no Exército, sabia que minha vida mudaria levando meus estudos
a sério.
Minhas noites eram preenchidas com boas
festas nos clubes, namorar. Frequentava os ambientes mais sofisticados do
Recife, consulado americano, casa de grã-finos.
Como não podia deixar de ser, assídua
frequência nas casas de raparigas em Boa Viagem.
As noitadas no Recife foram infindáveis naquela
época de juventude chegava ao limite da irresponsabilidade. Fazia dupla na
boemia com Quico, amigo da infância feliz de Maceió, meu vizinho na Praia da
Avenida da Paz, estudava engenharia de Minas na UFPE, perturbamos e pastoreamos
as noites recifenses com muita alegria, bom humor, bons boêmios.
Certa noite, encontramos Nezito Mourão,
colega de Colégio Marista, vizinho em Maceió. Mourão se dedicou ao futebol,
atleta nato, o negão forte era um beque intransponível quando jogava na Praia
da Avenida da Paz, ninguém passava por ele, o pau comia. Deixou tudo pelo
futebol, logo se profissionalizou, jogou no Santos do início de 60, com Pelé e
Coutinho, aquele time bicampeão do mundo, jamais igualado.
O encontro com Mourão foi uma festa, ele
jogava em um time do Recife. Quico sugeriu conhecer uma nova boate, ali perto,
na galeria do Edifício Walfrido Antunes. Lá pela madrugada houve uma briga, nos
envolvemos, a polícia me prendeu indevidamente.
Pela manhã cedo no quartel, durante o
café, todos já sabiam da briga. Os jornais estamparam, primeira página,
manchete: “Polícia prende tenente do Exército e causa confusão”. Relatavam, com exagero, como aconteceu
a briga com o tenente do Exército Carlito Lima, o jogador de futebol Mourão e
um indivíduo (era o Quico).
*
TRECHO DO LIVRO, "CONFISSÕES DE UM CAPITÃO", CUJA EDIÇÃO EM ESPANHOL
SERÁ LANÇADA NO ESTANDE DA BRASKEM, DIA 1º DE NOVEMBRO (SEXTA) ÀS 19 HORAS
DURANTE A VI BIENAL DO LIVRO DE ALAGOAS.
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