sexta-feira, 25 de outubro de 2013

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

CONFISSÕES DE UM CAPITÃO
       

Meu comportamento dentro do quartel era o mais discreto possível, dediquei-me à parte profissional, cumprindo corretamente dentro dos prazos todas as instruções previstas no QTS (Quadro de Trabalho Semanal), dando aulas, instrução militar, treinamento de tiro, armamento, educação física. Gostava de organizar jogos e campeonatos com os soldados. Minha vida profissional levei a sério, sabia que por aí não poderia haver erro.
    Nas horas de reunião e de refeições, era só ouvidos, principalmente quando o assunto era preso e família de preso. Só me manifestava em assuntos banais, futebol, mulher e boemia. Todos sabiam de meu relacionamento com os presos políticos, evitavam o assunto comigo, às vezes alguma comentário, alguma estocada indireta,  nada que impedisse levar a vida dentro do quartel com normalidade.
      Certo dia, um coronel do IV Exército, inspecionando a 2ª Cia. de Guardas, na hora do cumprimento aos oficiais formados em círculo no gabinete do comando, passou por mim deliberadamente sem estender a mão, foi como um insulto ostensivo. Confesso, me aborreceu.
      Eu não abria mão de minha vida privada, além da faculdade, frequentava amigos do Recife, passava fins de semana em Maceió, minha cidade adorada.
    Deixei de morar no quartel, aluguei um apartamento com meu irmão, saí do círculo de giz, ambiente fora do trabalho com os mesmos companheiros de trabalho aumenta a rotina, os assuntos são sempre os mesmos.
    Quando tocava ordem, ou seja, fim de expediente, às 5 da tarde, eu pegava um ônibus para a Faculdade de Engenharia na Ilha do Leite. Meus estudos se restringiam às aulas assistidas. Fui assim levando, pagando as matérias possíveis, havia me livrado das que havia pago na Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN).
    Embora achasse a Faculdade desorganizada em relação ao ensino no Exército, sabia que minha vida mudaria levando meus estudos a sério.
    Minhas noites eram preenchidas com boas festas nos clubes, namorar. Frequentava os ambientes mais sofisticados do Recife, consulado americano, casa de grã-finos.
    Como não podia deixar de ser, assídua frequência nas casas de raparigas em Boa Viagem.
      As noitadas no Recife foram infindáveis naquela época de juventude chegava ao limite da irresponsabilidade. Fazia dupla na boemia com Quico, amigo da infância feliz de Maceió, meu vizinho na Praia da Avenida da Paz, estudava engenharia de Minas na UFPE, perturbamos e pastoreamos as noites recifenses com muita alegria, bom humor, bons boêmios.
    Certa noite, encontramos Nezito Mourão, colega de Colégio Marista, vizinho em Maceió. Mourão se dedicou ao futebol, atleta nato, o negão forte era um beque intransponível quando jogava na Praia da Avenida da Paz, ninguém passava por ele, o pau comia. Deixou tudo pelo futebol, logo se profissionalizou, jogou no Santos do início de 60, com Pelé e Coutinho, aquele time bicampeão do mundo, jamais igualado.
    O encontro com Mourão foi uma festa, ele jogava em um time do Recife. Quico sugeriu conhecer uma nova boate, ali perto, na galeria do Edifício Walfrido Antunes. Lá pela madrugada houve uma briga, nos envolvemos, a polícia me prendeu indevidamente.
      Pela manhã cedo no quartel, durante o café, todos já sabiam da briga. Os jornais estamparam, primeira página, manchete: “Polícia prende tenente do Exército e causa confusão”. Relatavam, com exagero, como aconteceu a briga com o tenente do Exército Carlito Lima, o jogador de futebol Mourão e um indivíduo (era o Quico).

* TRECHO DO LIVRO, "CONFISSÕES DE UM CAPITÃO", CUJA EDIÇÃO EM ESPANHOL SERÁ LANÇADA NO ESTANDE DA BRASKEM, DIA 1º DE NOVEMBRO (SEXTA) ÀS 19 HORAS DURANTE A VI BIENAL DO LIVRO DE ALAGOAS.


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