sexta-feira, 28 de junho de 2013

HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA - Carlito Lima

DAS CONFISSÕES DE UM CAPITÃO 


             Cursando a Academia Militar das Agulhas Negras em Resende, o cadete não tinha opções de vida noturna, vida boêmia. Uma folclórica prostituta, Joaninha Batalhão, alugava seu corpo em uma casinha nos arredores da cidade. O atendimento parecia consulta médica. Numa sala de espera, sentados em cadeiras, os clientes esperavam por ordem de chegada, tomando café, água ou conversando com amigos. Nas noites de sábado ela atendia a mais de dez clientes, meia hora por consulta.
Certa vez o Cadete Barroso, militar convicto, andava marchando, só pensava em disciplina, só conversava sobre Exército, de apelido V.O. (verde oliva), em dia de desespero, procurou os serviços de Joaninha. Entrou na fila, bem sentado na cadeira, chegou sua vez.
Durante o atendimento, caminhando tudo normal, dentro do previsto, de repente, Joaninha pega no criado mudo uma revista Pato Donald, começa a folhear, a ler na hora do trabalho. Barrosão ficou indignado, não teve dúvida, deu uma tapa na revista, voou longe, repreendeu a prostituta como se estivesse dando uma ordem de comando a um soldado: “Preste atenção ao serviço Joaninha!” Atenciosa, a jovem terminou o trabalho com um suspiro fingido. Cadete Barroso pagou a consulta, saiu aliviado e satisfeito.
Havia uma casa de mulheres nas proximidades, Casablanca, os cadetes eram proibidos de frequentar. Entretanto, havia sempre alguém furando a proibição. Certa noite de um frio sábado, inverno, resolvemos ir à Boate Casablanca. Éramos mais de dez cadetes. Quando chegávamos, cabeças raspadas, meninos cheios de saúde, fazíamos furor até entre as jovens dos cabarés.
Certa hora, um colega cadete bêbado tirou pra dançar uma acompanhante de caminhoneiro. O motorista ficou brabo, começou no salão uma briga com murros, tapas e cadeiras, eu nunca tinha visto parecida, só em cinema. Murro de um lado e de outro, cadeiras se arrebentando nas costas, nos braços, copos voando. Cadetes x Caminhoneiros. Vidros quebrados, mais de 10 minutos de luta livre.
     A certa altura, gritaram: “A patrulha da AMAN está chegando!” Todos corremos em direção ao campo, cada um por si até chegar ao destino.
Quando eu pulava uma janela nos fundos, levei por trás uma cadeirada na cabeça, senti a visão escurecer, desmaiei. Quebraram-se, a cadeira e a cabeça. Um colega, cadete Coelho, veio em meu socorro, acordou-me, levou-me para a via de fuga no descampado. Nesse momento a patrulha já havia preso quatro cadetes. Na marcha da retirada Coelho me levava arrastando pelo ombro. A dor foi aumentando, o sangue não estancava, a ferida continuava sangrando. Pedi a Coelho que me deixasse, preferia apresentar-me à patrulha. De qualquer modo, o ferimento iria me denunciar. Alguns colegas conseguiram se evadir, embrenhando-se por dentro do matagal.
Retornei sozinho. Fui devidamente preso pela patrulha e escoltado até a enfermaria da AMAN. Peguei 20 pontos na cabeça e 15 dias de cadeia.
Punição- Cadete de Infantaria Carlos Roberto Peixoto Lima - Por ter frequentado ambiente não compatível com a situação de cadete, por ter ingerido bebida alcoólica, por ter participado de uma briga contra civis, infringido o R/4, Regulação Disciplinar do Exército, fica preso por 15 dias. Permanece no comportamento bom. Punição de caráter repressivo.
A prisão em si não foi pesada. O problema foi sindicância instalada para apurar o acontecimento. O capitão encarregado era encrenqueiro, da linha dura. Fez pressão, marcação constante para eu delatar os colegas que conseguiram fugir. Todo o dia me convocava, deixava-me numa cadeira por mais de duas horas esperando, até que ele vinha com uma série de ameaças, se não contasse, seria desligado do curso. Percebendo que eu não denunciaria os colegas, mudou de tática. Tentou me convencer, por dever e até por amizade, eu deveria revelar os companheiros de briga, era para o próprio bem deles, uma maneira de educar. Logo a seguir, me ameaçava novamente. Até que chegou o prazo de encerramento da sindicância. Peguei 15 dias de prisão. Jamais delatar está no Código de Honra do Cadete que nunca foi escrito, entretanto, para nós, tinha a força da dignidade.
(Esse trecho está no meu livro de memória, CONFISSÕES DE UM CAPITÃO, sendo traduzido para o espanhol, será lançado na Festa do Livro em Frankfurt, Alemanha, outubro próximo)


Nenhum comentário:

Postar um comentário