A Máquina do Mundo
(Carlos Drummond de Andrade)
(Carlos Drummond de Andrade)
E como eu
palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se
misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente
se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do
mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se
majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas
pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma
realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em
calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem
desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os
a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
(Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade).
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