sexta-feira, 30 de março de 2012

UM TEXTO DE RONALD MENDONÇA


LUTO E GLÓRIA


RONALD MENDONÇA

MÉDICO E MEMBRO DA AAL

O ex-presidente Lula pode correr para o abraço: está "curado" do câncer que ameaçava detonar laringe
e voz. Certamente, Deus na sua infinita misericórdia obrou a seu favor, ainda que contando com um
leve auxílio do Sírio-Libanês (inacessível a cerca de 99% da população). Mas isso é um mísero detalhe se
reconhecermos o bem que esse cidadão fez e fará pelas pessoas. Afinal de contas, familiares e amigos
ainda precisam muito dos seus préstimos.

Igual destino não tiveram o escritor, teatrólogo e cartunista Millor Fernandes e o humorista Chico
Anísio. Tudo bem que as doenças e, sobretudo, as idades pesaram no desfecho. Fernandes tinha quase
90 anos. O cearense Chico viveu até os 80, bastante se olharmos seu estilo de vida um tanto "libertino".
O fato é que o país enlutou-se com a morte de ambos.

Na verdade, o humorista, ator e pintor (além de outras habilidades) estava na marca do pênalti há
alguns meses. Crítico e engraçado, conseguiu construir, a partir da sua feiúra física, tipos inesquecíveis.
Com certeza não posava de "ideológico". Estava mais para o tipo que perdia o amigo mas não perdia
a piada. Já era um nome forte na comédia antes de 1964. Depois do golpe, teve toda uma matéria
prima de excepcional qualidade para desenvolver o humor, embora não tenha sido um contestador
sistemático.

Chico Anísio sabia como era difícil a arte que abraçou. Com efeito, fazer rir sempre não deve ser
moleza. Nesse aspecto, desempenhou papel importantíssimo, segundo os especialistas, ao resgatar
e abrigar no seu programa, creio que ainda no fastígio da carreira, velhos humoristas em declínio e
também novos em ascensão. Fez escola.

Soa inútil comparar Millor a Chico Anísio. Utilizando outras ferramentas, sem dúvidas mais elaboradas e
de acesso mais complicado, a linguagem do jornalista era singular. Teatrólogo, tradutor, escritor, poeta,
era um intelectual refinado, um crítico atento, sem peias. Combateu a ditadura, certamente com o
mesmo vigor com que se insurgiria contra outras ditaduras. Seu humor era mais sofisticado, algumas
vezes hermético.

Tido como um dos maiores frasistas brasileiros, não fazia segredos do desprezo por Machado de Assis.
Foi cáustico com colegas jornalistas que se beneficiaram do "bolsa-ditadura", sinecura de duvidosa
moralidade. Não sei se fazia tipo ao se confessar machista. Resumiria sua definitiva rendição ao sexo
oposto ao afirmar que o movimento feminino que mais o entusiasmava era o dos quadris.

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