quinta-feira, 31 de março de 2011

UM TEXTO DE MURILLO MENDES

Uma Guerra Humanitária! Será?

Murillo Rocha Mendes
(Membro da Academia Alagoana de Cultura)


Acho, por arraigada convicção, que não há guerra humanitária, tanto quanto não há
guerra santa... Guerra é guerra. Envolve, sempre, violência, destruição e mortes, prestando-
se, quase sempre, a interesses mesquinhos, hegemônicos ou não; mas, necessariamente,
políticos e econômicos. Não obstante isso, pode acontecer, até, que ela seja inafastável. Por
exemplo, diante de uma invasão territorial belicosa, como atitude lícita e indeclinável de
legítima defesa. Mesmo nesse caso e em outros que tais, somente, após esgotados todos os
meios suasórios, racionais e inteligentes.

Ocupo-me, como pode indicar o exórdio desta minha crônica, da chamada guerra
humanitária que nações poderosas e hegemônicas, por interesses conhecidos que não ousam
confessar, iniciaram contra Líbia. Que visão de defesa da humanidade se pode extrair dessa
guerra mais ou menos declarada? Será que ela pode ser havida como uma manifestação de
amor e de defesa da humanidade sitiada, à beira do extermínio? Será que se pode invocar tal
preocupação nessa desinibida atitude de hostilidade (?); que ela se fundamenta e justifica-se
sob o pálio da suprema defesa de seus semelhantes? Eu, de minha parte, não a vejo como
uma ação de filantropia...

Trata-se, evidentemente, malgrado a autorização dúbia e extensiva da ONU que
tudo permite e avaliza, inclusive, que se mate civis de um lado, sob o pretexto de resguardar
e proteger iguais civis do outro lado, principalmente, quando estes estão bem armados e em
insurreição. Não se discute, aqui, o tirano, o déspota Muammar Gaddafi, seu governo; aliás,
do mesmo jeito que os protagonistas da iniciativa beligerante não discutiram suas alianças,
seus aliados estratégicos da região, como o Iêmen de Ali Abdullah Saleh e com o Bahrein
do rei “King Hamad bin al-Khalifa”. Nem com a monarquia sunita da Arábia Saudita.

Nenhum desses países aliados, mesmo por conveniência, pode ser paradigma de
democracia, templo de respeito à dignidade de seus habitantes. Igualmente, diga-se de
passagem, nenhum país, mesmo os mais fortes, se pode arvorar em voluntario combatente
universalista, em polícia do mundo. Há outras formas civilizadas de punir tiranos e
assassinos; de reprimir e justiçar esses genocidas. Deixar de comprar-lhes o petróleo; deixar
de vender-lhes armas, por exemplo, mesmo contrariando possíveis e imediatos interesses
conjunturais.

Que dizer dessa guerra à distância, realizada horizontal e verticalmente, quando
aviões supersônicos, provenientes de colossais porta-aviões e de bases incrustadas nos
territórios dos tiranos amigos, quando fragatas, submarinos e cruzadores movidos a energia
nuclear, milhas e milhas, pés e pés distantes, são capazes de atingir seus
selecionados “alvos militares”, inclusive aqueles que se localizam nos centros urbanos?
Quem garante os civis do lado de Gaddafi contra os reiterados e conhecidos erros desses
cálculos balísticos complexos? Claro que a população civil do outro lado, vítima de erros

humanos, ou da desídia dos artilheiros, ou da menor valia que se lhe possa atribuir, não tem
qualquer garantia, nem da ONU.

Claro, que esses civis desarmados, também, são atingidos e dizimados sob o
pretexto de proteger os civis do lado de lá; enfatize-se, em plena insurreição e bem armados
para sua luta decisiva contra o governo a que querem substituir... Aliás, tem sido uma
indelével mácula na reputação de alguns países desenvolvidos, a evidência de que têm
matado, com sua política de interesses e no exercício de polícia moral do mundo, civis
desarmados no Oriente Médio na Ásia e na África. Pior, tudo praticado em nome dos
direitos humanos...

Um ato de beligerância é, sempre, uma consumação de tragédias, de massacres;
principalmente, nessas guerras de escolha. E não se fale de que se pretende, como no caso
da Líbia, derrubar um ditador sanguinário, como se ele discrepasse da aliada monarquia
pouco democrática da Arábia Saudita, ou dos governantes aliados e alinhados do Iêmen e
do Bahrein que vêm dizimando, sem piedade e sem remissão, os que lhe contestam, por
exemplo. Na verdade, esses conflitos não têm nada de humanitários, são guerras, repiso, de
interesses conhecidos e não confessados, em que predominam estratégias várias de
geopolítica e de eventuais territórios sobre jazidas de petróleo, fonte energética, ninguém se
engane, que prevalecerá, ainda, por muito e muito tempo.

Que representa a Líbia nessa conjuntura? É o décimo segundo exportador mundial
de petróleo “in natura”; de petróleo nobre, do tipo “cru leve”, realce-se. Suas jazidas estão
dimensionadas em quarenta e quatro bilhões de barris, as maiores da África; releve-se, com
a exploração de, apenas, um quarto do seu território que foi prospectado. Duas grandes
empresas petroleiras, multinacionais, a BP e a Exxon Mobil desenvolvem suas atividades
extrativas na região desértica de Ghadames e, sobremaneira, na Bacia de Sirte, onde estão
contidos mais de oitenta por cento de suas comprovadas reservas. E isto constitui metade do
PIB líbio e noventa e cinco por cento de suas atuais exportações.

Que existirá para ser explorado nos outro três quartos de seu território desértico?
Induvidosamente, o povo líbio não sabe... Sabem-no essas empresas petroleiras? Pelo
menos, devem ter uma boa desconfiança... Segundo tudo indica, a insurreição na Líbia é
tribal. Antes de Gaddafi, até 1969, ela foi palco de constantes e sangrentas rivalidades
tribais que, agora, devidamente estimuladas, voltam a encrudescer. Hoje, tudo gira na
oposição de Benghazi ao leste e Trípoli ao oeste. Juntas, aglomeram mais de oitenta por
cento da população líbia; e é dessa insurreição tribal que os acontecimentos vêm sendo
produzidos e manipulados, mercê de uma cultura nascida da divisão do país por
inumeráveis tribos.

E o nosso Brasil? Que posição adotou, na ONU, diante dessa conflagração? Mesmo
lutando por um lugar permanente no seu Conselho de Segurança, construiu uma posição
respeitável, por correta e inteligente. Não subscreveu a autorização para a guerra. Absteve-
se, proclamando sua vocação pacifista, mesmo por que, em breve, seremos um dos maiores
produtores de petróleo do mundo, com a exploração do pré-sal. Acho que, sob a égide do
PT, fizemo-nos oportunos e pontuais, colocando as barbas de molho.

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